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Andanças pelo Teatro Mundial: SP entrevista a premiada dramaturga, performer e diretora sul-africana Napo Masheane

Na primeira ação dessa nova série de entrevistas com importantes nomes do teatro mundial, o escritor e crítico teatral Marcio Aquiles conversa com a premiada poeta, dramaturga, performer e diretora sul-africana Napo Masheane.

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Napo Masheane

1. Considerando os vários aspectos da pandemia, como está o teatro atualmente na África do Sul? Vocês têm performances digitais, híbridas ou de presença física?
O teatro sempre esteve na vanguarda da evolução: tradicional, social e politicamente. Isso significa que a indústria do teatro sul-africana foi forçada, ou melhor, inspirada, a pensar fora da caixa. Se as pessoas não podem ir ao teatro, precisamos levar teatro a elas. E isso pode significar a adaptação ao teatro digital, sem perder, contudo, o coração e a alma do teatro tradicional.

2. Quais foram as referências artísticas mais importantes quando você começou a trabalhar com teatro?
Minha voz artística é o resultado da herstory1. Sou uma mulher preta que foi criada e inspirada por mulheres pretas prolíficas. Negar-me as histórias de mulheres pretas é negar partes de mim que refletem tudo o que represento. A representação e propriedade das histórias das mulheres pretas deveria ser encampada por mulheres pretas, para mulheres pretas, e com mulheres pretas, na vanguarda da história do teatro sul-africano, ao contrário de antes. Assim, é imperativo que eu não apenas pareça preta, mas que soe e mostre negritude em minhas experiências e expressões artísticas.

¹ Herstory é uma contraposição epistêmica e linguística oriunda das teorias feministas e dos estudos culturais para o conceito/a palavra history, que contemplaria, majoritariamente, as ‘grandes narrativas’ excludentes e focadas nos signos e agentes masculinos da história tradicional.

3. E atualmente, você pode mencionar algumas dramaturgas(os) ou escritores cuja obra você acredita ser poderosa ou fonte de inspiração?
Nomhle (Hlehle) Nkonyeni, que nasceu em Aggrey Road, em New Brighton, Port Elizabeth, em 1942, e começou sua carreira de atriz no teatro aos 19 anos e se tornou uma das primeiras mulheres negras a pisar em um palco durante o apartheid na África do Sul. Fatima Dike, atriz e dramaturga, nascida em 1948 na Cidade do Cabo (Langa). Sua família participou da remoção forçada na década de 1930. Os escritos de Dike foram inspirados pela vida nas ruas, fofocas e flertes, crianças brincando, tudo adicionado à tapeçaria da narrativa e à história de seu próprio provo xhossa. Ntozake Shange (Estados Unidos, 1948–2018), autora de peças, poesia e ficção, conhecida por seus temas feministas e étnicos. Audre Lorde (Estados Unidos, 1934–1992), importante poeta e ensaísta afro-americana que deu voz a questões de raça, gênero e sexualidade.

4. Como é o seu processo criativo no desenvolvimento de dramaturgias?
Eu sou uma poeta e dramaturga multilíngue, cujas explorações dramáticas como criadora de teatro dependem fortemente das experiências das personagens femininas, em vez das perspectivas dos homens a elas conectados.
Minha voz autoral, que dura mais de duas décadas, se concentra principalmente nas HER-STORIES2, dando às minhas personagens femininas expressões explícitas. Além disso, inspiro minhas personagens femininas a usarem humor nostálgico para chamar a atenção ou fazer declarações, em diálogos entre si ou com outras personagens.
Porém, mais do que qualquer coisa, a poesia como dramaturgia é algo que pode chegar em mim como puras canções (Dipina) ou lamúrias (Kodiyamalla). Às vezes, a inspiração vem de rituais familiares tradicionais, como Canções de Louvor (Dithoko / Thoko), ou de uma simples memória de uma canção de igreja de infância, um hino (Difela / Sefela). Na maioria das vezes, as falas em meu trabalho se apresentam como uma fonte de onde uma pessoa vem: Seboko / Poko, os nomes de nossos totens e clãs. Assim, minhas peças e poemas constantemente surgem das ruas empoeiradas de minha aldeia em Qwaqwa ou nascem dos sussurros do município de Soweto.

² Combinação de herstory (história, vide nota acima) e story (narrativa).

5. Você ministrou aulas online na SP Escola de Teatro e também participou de seminários e outras atividades. O que você mais valorizou no contato com estudantes e artistas brasileiros?
As aulas online na SP Escola de Teatro me permitiram a começar intencionalmente a estudar como posso compartilhar meu conhecimento sobre a história do teatro africano. Ainda há muito trabalho a ser feito para documentá-lo. Vejo como passou a fazer parte da decolonização de uma linha de educação que pensa que, como africanos diaspóricos, não temos teatro próprio que brota de nossos rituais e práticas sagradas. O teatro é a nossa igreja e muitos de nós nascemos com ele. O que eu apreciei no contato brasileiro são as trocas colaborativas que tive desde que integrei o elenco de “The Art Of Facing Fear”, espetáculo dos Satyros que foi uma das primeiras peças de teatro digital internacional durante a pandemia de covid-19. Porém, mais do que isso, como artista estou sempre interessada em fazer parcerias e colaborar com outros atores teatrais em todo o mundo que defendem mudanças no cenário do teatro. Estou sempre empolgada para criar e formar um forte vínculo de arte que apoie um ao outro, que desafie um ao outro e o status quo. Parte do meu sonho como artista/criadora é manter constantemente nossas vozes responsáveis por contar, arquivar, documentar e expressar a herstory dentro da history.




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