SP Escola de Teatro

SP Entrevista | Celso Sim

A cada semestre, os aprendizes da SP Escola de Teatro — Centro de Formação das Artes do Palco criam experimentos cênicos, sempre com base em artistas e obras de referência. Nesta primeira metade de 2016, o álbum “A Mulher do Fim do Mundo”, de Elza Soares, tido por muitos críticos musicais como o melhor disco de 2015, é o material a partir do qual os aprendizes criarão suas cenas.
 
Visceral, o disco tem direção artística do músico Celso Sim, que tem uma íntima relação também com o teatro. Ele veio à sede Roosevelt da Escola nesta quinta-feira (4) para conversar com os aprendizes sobre o seu trabalho, o disco e os temas nos quais as letras tocam: sexo, racismo, violência.
 
Sim conversou com o portal da SP Escola de Teatro. Leia os melhores momentos do nosso bate-papo.
 
 
Você é músico e tem uma relação muito forte com o teatro. Quando foi que esse interesse pelas artes cênicas despertou?
 
Comecei a estudar teatro muito cedo. Dos 14 aos 19 anos eu estudei com a Myriam Muniz, que fazia um teatro cantado. Na verdade, fui tutorado por ela: quando eu pedi uma bolsa de estudos, ela me disse que daria, desde que eu estudasse com ela diariamente. Eu queria ser ator, diretor, cenógrafo. A primeira coisa que ela botou na minha mão não tinha relação com música, foram pranchas de offset do (cenógrafo) Flávio Império. Fiquei fascinado por aquilo. Na época, ele tinha acabado de morrer.
 
Se o teatro da Myriam era cantado, muito da sua influência musical veio dessa época?
 
Myriam me deu dois livros do (Jorge) Mautner. E eu nem lembrava que ele era compositor de letras como “Maracatu Atômico” ou “Vampiro”. A vida acabou me fazendo conhecê-lo. Ele também foi meu tutor, por dez anos. Me dava exercícios diários de composição. Fizemos shows pelo Brasil inteiro e pela Europa. 
 
Aliás, foi por causa de um show que fiz em São Paulo, cantando o repertório do sambista Wilson Batista, que Marcelo Drummond (integrante do Teatro Oficina) me convidou, em 1994, para substituir o Zé Celso em “Mistérios Gozosos”. Naquela época, Zé não estava muito bem de saúde.
 
No Teatro Oficina, novamente você uniu teatro e música.
 
Depois de um mês trabalhando com o Oficina, Zé saiu do hospital e passamos uma tarde inteira cantando. O Tom Jobim tinha acabado de morrer naquela época e ele me perguntou se eu sabia cantar algo do Tom. E o Zé toca qualquer canção no piano, não lê partitura. Ganhei o Zé na música.
 
Foi no Oficina que eu me destampei como compositor. Eu já compunha, mas tinha vergonha. Nunca mostrei uma música minha para o Mautner. O teatro me fez perder a inibição, comecei a mostrar meu trabalho, receber encomendas, lançar discos…
 
Em que momento você encontra com Elza Soares?
 
Isso também veio do Oficina, porque foi lá que conheci José Miguel Wisnik, meu amigo-mestre. Ele dirigiu o disco “Do Cóccix até o Pescoço”, da Elza, show que eu vi algumas vezes. Depois, montamos o show “Zé & Celso”, de Zé Miguel Wisnik e Celso Sim. Falava sobre o tropicalismo, a antropofagia. Com ele, abrimos uma edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) e chamamos a Elza para cantar conosco.
 
Como você vê o disco “A Mulher do Fim do Mundo” no contexto atual?
 
É um disco sobre sexo e negritude, logo, sobre violência. Sobre morte e violência. E é o disco da hora. Estamos vivendo um momento de emersão de assuntos reprimidos. O racismo virou o assunto. No teatro, por exemplo, surgiu a questão do blackface (referindo-se à peça “A Mulher do Trem”, da companhia Os Fofos Encenam, que gerou polêmica por usar a técnica do blackface, considerada racista, para retratar dois personagens negros). E é como diz (a atriz, diretor e dramaturga) Grace Passô: quando um assunto reprimido emerge, ele emerge com violência. Não tem outro jeito. A panela de pressão só funciona com a válvula. Se tirar a válvula, ela explode e vai tudo por todos os lados.
 
Do que trata exatamente o disco?
 
Claramente do racismo e da questão de gênero. E, no gênero, a mulher. A buceta virou protagonista. Quem tá falando com você é a minha buceta e você vai ter que aceitar. Esse disco não é só uma buceta falante: ela é também pensante e cantante. E de uma mulher velha, que tem sexo, que tem desejos.
 
Você acha que estas questões de racismo, preconceito e gênero estão sendo bem retratadas no teatro?
 
É recente. Os próprios Fofos (novamente, referência a “A Mulher do Trem”) tiveram uma reação que achei espantosa, de se recolher, até pendindo desculpas. Preciso ver o que está sendo feito no Teatro de Narradores, por exemplo. É muito recente para dizer. E, novamente, o Teatro Oficina está à frente com “Mistérios Gozosos”, que tem um elenco 50% negro. Isso é raríssimo.
 
E o que a arte pode fazer para fazer com que estes temas avancem?
 

A arte pode continuar a fazer o que ela tem feito, que é atingir o sublime. A arte não educa, a arte comove. Zé celso que me ensinou isso. Ele dizia: “não é mais preciso mover montanhas, é imprescindível comover montanhas”. Se arte tem alguma utilidade, é a de comover. Tirar a pessoa da zona de conforto por meio da comoção. 

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