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Radioarte | Grand Guignol II

Publicado em: 03/11/2014 |

A SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco inaugurou, recente, a seção Radioarte, um projeto radioteatral que integra as ações do Programa Kairós, como atividade de contrapartida pela bolsa-oportunidade. Os podcasts são produzidos no estúdio da Escola, sob direção de Mauricio Paroni de Castro que também cuida da trilha e da dramaturgia geral. O projeto conta, ainda, com orientação de Raul Teixeira e direção técnica de Pedro Zurawski. 

 

Na segunda edição da seção, o radiodrama dá sequência ao episódio inaugural, “A guilhotina – uma entrega de horror”, que foi adaptado do gênero Grand Guignol.

 

O Radioarte está aberto à participação de aprendizes, formadores e artistas convidados. Participaram destes primeiros episódios: Dillner Gomes, Fabiana Virginia, Fernanda Otaviano, Glauber Marques, Francisco Rafhael Guerra, Isabely Santos, Maurício Ferreira, Railson de Souza, Renata Ferreira, Rodrigo Ribeiro, Rafael Frasão, Tainá Couto, Wellington Bonfim, Sylvia Soares, Paolo Rocha, Luisa Renaux, Rittiele Lima, Milene Haddad, Alaide Kadima, Amanda Bittencourt, Ana Carolina de Oliveira e Pedro Zacarias.

 

“A coralidade textual narra intrigas entre funcionários de um museu de Paris na vernissage da mostra de uma guilhotina restaurada. A gravação é comentada no estúdio, o que dá a impressão de o instrumento de morte estar ali mesmo. Este foi o recurso didático encontrado para preservar o espírito de um gênero que decaiu pelos horrores da história contemporânea. Empregamos na sonoplastia Marilyn Monroe, Valdick Soriano, Georges Brassens, Cesar Frank, Arcangelo Corelli. Nesse horror de folhetim, o rádio se faz progressivamente presente até a dissolução do suspense”, comenta Paroni.

 

Ouça o podcast.

 

Leia o texto de Paroni sobre este episódio:

Após a Segunda Guerra, o gênero perdeu boa parte de sua eficácia. Diante dos extermínios sistemáticos organizados por Hitler e Stálin (imitados por dezenas de líderes políticos no chamado período de paz do pós-guerra), a sensibilidade popular ao absurdo da morte de massa foi anulada. Via evocação de lendas urbanas, procurei aguçar o sentimento, ainda que na forma tragicômica que revive o clima pré-expressionista do início do século XX. Qual o percurso do gênero que permite tal promiscuidade artística? O realismo teatral do final do Século XIX degenerou num gênero mais verdadeiro que a “verdade” pós-moderna: o Grand Guignol.

 

Guignol era um fantoche criado em Lyon no final do século XVIII. Em pouco tempo, a popularidade alcançada o transformou em sinônimo de teatro de bonecos. Grand Guignol foi o nome escolhido por Max Maurey para batizar o Théatre Sallon de Paris, no ano do fechamento definitivo do Théatre Libre de André Antoine, em 1899. O lugar era a oficina de experimentação de Oscar Métenier, seu colega no Théatre Libre, que defendia a abolição dos limites impostos pelas convenções cênicas, na busca de maior autenticidade da ficção.

 

Essa era a principal premissa de uma concepção do espaço teatral originada na reorganização hiper-realista das cenas, ainda hoje difícil de ser conseguida. Os atores eram desvinculados da imposição de postar-se “teatralmente” e agiam como se estivessem totalmente mergulhados na realidade. “Estar em cena” era o mesmo que estar em um quarto, numa sala ou em uma rua. Não mais em uma cenografia que “representava” tais lugares. Paralelamente às inovações estruturadas da recém-inventada direção, os próprios conteúdos das representações progrediam, influenciados pela poética do teatro realista.

 

As audazes experiências do Théatre Libre de André Antoine começaram a ser metabolizadas – ainda que não compreendidas – por um público burguês fascinado com os temas de horror e sexo propostos pelo Guignol. Ali, Métenier vai além: explora emoções suscitadas nos expectadores por situações escabrosas de dramas realistas, exageradas ao extremo. Surge a dramaturgia do Grand Guignol como conhecemos hoje.

 

Involuntariamente, Métenier havia criado um gênero nascido da poética realista. Situações dramáticas eram levadas a extremas consequências, sempre pontuadas por degeneração moral. Depois desta fase inicial passou-se a empregar elementos na insígnia da loucura, de fenômenos espíritas, de experiências paranormais. Eram dramas cruéis e violentos onde se disseminavam depravações, torturas e delitos com predileção pelo horror e pela morbidez. A última fase utilizou temas sádico-eróticos.

 

Na Itália, o gênero foi introduzido em 1909 por Alfredo Sainati, ator que fundou uma companhia de Grand Guignol que alcançou grande sucesso. Numa de suas crônicas teatrais no jornal Avanti, em 1916-20, Antonio Gramsci estigmatizou-lhe o decadentismo: “Por que o público se diverte no Grand Guignol, se a própria natureza humana foge da dor e do sofrimento? Qual a causa disso ser motivo de atração no teatro? Não podemos falar de fruição artística no que diz respeito à criação de fantasmas poéticos exprimidos plasticamente pelo drama. É evidente que a razão da fortuna desse tipo de teatro deve-se inteiramente aos atores […]. De tragicidade não há nada, além da máscara exterior e do espasmo físico que se tenta comunicar ao espectador, entorpecido com um tremor irresistível.[…] A matéria bruta, qual betume de notícia marrom, organiza-se na elasticidade da personalidade artística [do ator que a interpreta], que sabe comportar-se no modo mais atroz e mais sanguinariamente sugestivo. Assim, o espectador, que vai ao teatro para acanalhar-se e sentir uma tensão nervosa que lhe dê a impressão da vida fictícia do cortiço, fica satisfeito e aplaude”.

 

(De um artigo meu publicado em cronopios.com.br)

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