EN | ES

Quem olhará pelos dramaturgos?

Publicado em: 05/09/2014 |

* por Ivam Cabral, especial para o portal da SP Escola de Teatro

 

O dramaturgo tem importância ímpar para o teatro brasileiro, seja na fase moderna, com caráter mais tradicional, seja na fase contemporânea, em diálogo constante com as outras áreas. Nosso país gerou dramaturgos do mais alto calibre. Não vou citar nenhum porque a lista seria enorme.

 

É desnecessário mencionar a importância dos autores para o desenvolvimento do teatro nacional e para difundir nossa cultura no resto do mundo. Ainda assim, paradoxalmente, a profissão, que como outras é historicamente relegada por aqui, continua sem regulamentação.

 

Faz sentido? A categoria dos dramaturgos sequer é considerada profissão pelo Ministério do Trabalho. Temos muito, muito mesmo, o que fazer pela dramaturgia.

 

Na contramão da falta de reconhecimento, a produção artística na área, felizmente, pulsa latente. Deste ponto de vista, o momento que vivemos é fantástico para a dramaturgia brasileira. Nunca tantos dramaturgos talentosos surgiram para colocar em cena as questões que movem a atualidade. Com orgulho e satisfação, percebo que a SP Escola de Teatro, pelo trabalho incansável de Marici Salomão, é, de certa forma, responsável por esta organização.

 

Temos um Curso Regular de Dramaturgia, coordenado pela Marici, jornalista e dramaturga brilhante, que há anos dedica-se a fomentar a área, mantendo diálogos internacionais e mirando uma formação que abraça tanto a tradição quanto a contemporaneidade. Tais marcas mostram-se presentes também no curso, bem como em todo o sistema pedagógico da Escola.

 

O curso de Dramaturgia destina-se à formação de novos dramaturgos, em vários modos de produção textual, dos singulares aos colaborativos. Pretende despertar nos aprendizes uma visão crítica sobre o papel do artista no mundo, aliando teoria, técnica e prática, e o ferecendo, ainda, conteúdos que compõem a base de criação para outras mídias. O dramaturgismo, braço que cada dia é mais discutido no universo teatral, também ganha atenção com estudos teóricos e práticos.

 

Além de procurar me manter sempre conectado ao curso, também tenho participado de mesas de discussão e encontros ao redor destas discussões. Mais recentemente, nesta semana, fui ao Rio deJaneiro, pelo FESTLIP 2014, para um debate, uma rodada de negócios e o lançamento do Portal de Dramaturgia da Língua Portuguesa, aproximando encenadores e programadores internacionais e autores brasileiros.

 

No ano passado, criamos a ATO (Associaçãodos Amigos dos Autores Teatrais), aliada à causa do Movimento SBAT 100 anos, que visam à recuperação da Sbat em seu aniversário de 100 anos, comemorado em 2017. Por meio dela, em novembro, faremos o maior congresso de dramaturgia que este pais já viu – aguardem, vocês verão que eu falo sério.

 

Como a reunião de nossos pares é ação obrigatória para nos mantermos fortes, aproveito para relembrar uma experiência recente que sintetiza esse esforço: a criação de “Quotidiamo, esta não é uma história de amor”, peça escrita a oito mãos, por quatro dramaturgos lusófonos: eu, representando o Brasil, o português Rui Zink, o angolano José Mena Abrantes e o cabo-verdiano Abraão Vicente.

 

O espetáculo estreou em Cabo Verde em março, na sede do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo sob direção de João Branco, responsável por fazer o convite para o projeto. A montagem marcou a 50ª produção da companhia, de longe a mais importante do país.

 

Ainda que nitidamente o desafio fosse insano, por reunir quatro cabeças diferentes, aceitei e o resultado foi surpreendente. Encaro o trabalho como a formalização de um encontro artístico potente e que estimula o rompimento das fronteiras da arte, tornando-a livre, universal, pluricultural.

 

Nós, dramaturgos, precisamos de união. E, se depender de mim, ficaremos cada vez mais conectados – até mesmo quando nossos universos artísticos forem distantes.