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Ponto | Artaud e a loucura

Publicado em: 11/02/2014 |

Em vida, Antonin Artaud cravou seu nome entre os mais importantes do século XX e entre os mais inovadores da história do teatro. Além de sua complexa obra, entretanto, o artista deixou para a posteridade um sem-número de histórias que contribuíram para perpetuar a imagem que faz com que ele seja frequentemente associado à loucura.

 

Longe de ser mera especulação, essa ideia tem muito fundamento. O poeta, escritor, ator, dramaturgo e diretor de fato não viveu da maneira mais convencional ou pacata possível. Anarquista nato, flertou com a sanidade durante toda sua vida, colocando à prova todas as certezas estabelecidas pela sociedade. 

 

Artaud tinha consciência de que a forma como concebia a realidade era diferenciada. Em seu livro “Van Gogh: o suicidado da sociedade”, ele afirma: “Em todo demente há um gênio incompreendido cujas ideias, brilhando em sua cabeça, apavoram as pessoas, e que só no delírio consegue encontrar uma saída para o cerceamento que a vida lhe preparou”.

 

Em 2012, a SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco recebeu Camille Marc Dumoulié, um dos maiores especialistas da França na obra do artista, em uma mesa de discussão.

 

O convidado começou falando sobre a biografia de Artaud. Nascido em 1896, logo na infância já demonstrava inquietude e fortes tendências anarquistas, fatores que se evidenciaram em sua obra. Debilitado, começou a tomar remédios e drogas quando era muito jovem.

 

Camille explicou que, entre as décadas de 1920 e 1930, o artista tentou três vias artísticas: a poesia, com o grupos dos surrealistas; a atuação, interpretando em teatro e cinema, geralmente com personagens místicas e loucas; e, finalmente, a produção dramatúrgica e teórica para teatro, área que lhe trouxe mais reconhecimento.

 

Em sua obra, Artaud também explicitava certa identificação com a peste bubônica, cuja epidemia matou um terço da população europeia, na Idade Média. Ele encontrava semelhanças entre o teatro e a peste, dizendo que o teatro devia ter a força de uma epidemia. “A ação do teatro, como a da peste, é benfazeja, pois levando os homens a se verem como são, faz cair a máscara, põe a descoberto a mentira, a tibieza, a baixeza, a hipocrisia; a ação do teatro sacode a inércia asfixiante da matéria; e revelando para as coletividades seu próprio poder obscuro, sua força oculta, ela as convida a assumir uma atitude heroica e superior, que, sem isso, jamais assumiriam”, dizia Artaud.

 

Dono de um raciocínio profundamente revolucionário, ele acreditava que essa purificação “não era apenas social ou psicológica, mas metafísica e cósmica. O papel do teatro, inclusive, seria fazer entrar a metafísica na carne”, como explicou Dumoulié.

 

Em “O teatro e seu duplo” (1935), um dos mais importantes escritos do teatro do século XX, Artaud consolida o seu conceito de Teatro da Crueldade, “um teatro onde as formas, os sentimentos, as palavras compõem a imagem de uma espécie de turbilhão vivo e sintético, no meio do qual o espetáculo toma o aspecto de uma verdadeira transmutação”, como definiu ele próprio. 

 

Em 1937, vai ao México “de encontro com uma cultura que estivesse verdadeiramente em contato com os deuses e com os mitos”, observou o especialista. No caminho, em Cuba, teria encontrado um bruxo que lhe deu uma espada com gravações, objeto que para ele tinha propriedades mágicas. 

 

A viagem foi um fracasso. Em solo mexicano, o francês participou de rituais do peyote (cacto que produz substâncias alucinógenas) com os índios Tarahumara, mas saiu do país acusando os nativos de enfeitiçá-lo. Dali em diante, mergulhou de vez na loucura e começou a acreditar que a única forma de purificação para a raça humana seria o apocalipse.

 

Na mesma época, promoveu um grande tumulto numa praça de Dublin e foi preso pela polícia, que também tomou dele o seu mais valioso pertence: a bengala que, segundo ele, era sagrada e pertencera a São Patrício.

 

Asilos e manicômios seriam destino de Artaud durante anos. Constatado como louco irremediável até por Lacan, sofreu com o violento tratamento aplicado nessas instituições. A dependência química também o assolou. Aos poucos, os frequentes eletrochoques foram degradando suas feições e provocando um envelhecimento físico precoce. 

 

Ao contrário do que Lacan havia previsto, o artista continuou escrevendo. Também dedicava seu tempo aos desenhos, que às vezes serviam como ilustrações de seus textos. 

 

No encontro, Dumoulié ainda mostrou o discurso radiofônico “Para acabar com o juízo de Deus”, proferido por Artaud e seus amigos. A obra foi criada em 1948, ano em que o artista fora encontrado morto, aos 52 anos, em seu quarto num hospício de Paris.

 

Louco ou visionário – ou ambos –, o certo é que Artaud é reconhecido como gênio por muitos estudiosos e adotado como referência por inúmeros artistas. Essa foi a trajetória mortal do homem que viveu como poucos e dedicou a vida a uma arte visceral e transformadora.

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