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“Piacere, Maria Baderna”

Publicado em: 25/06/2013 |

A palavra baderna, tão usada pelos agentes do autoritarismo que dominou o Brasil a partir da década de 1960 e até o final dos anos 1980, retornou à cena nas últimas semanas, com as manifestações generalizadas que tomaram conta de todo o País. Só que, desta vez, sem o tal autoritarismo (e queiramos todos que continue assim, amém!).

Pois bem… A seção Ponto desta semana foi até o “Aurélio” para desvendar a curiosa história que se esconde por trás do termo baderna. Na verdade, conta o velho dicionário, ele vem do sobrenome de uma dançarina italiana que esteve no Rio de Janeiro em meados do século 19. Ela era tão querida por seus fãs, que eles, para vê-la, costumavam criar confusões e brigas de rua. Daí, ficaram conhecidos como “o pessoal da Baderna”, os “baderneiros”. Foi questão de alguns verbetes até que se tornasse, enfim, sinônimo de arruaça, confusão.

O autor italiano, que foi deputado pelo Partido Comunista, Silvério Corvisieri, escreveu a história dessa personagem no livro “Maria Baderna – a bailarina de dois mundos” (Editora Record, 236 págs.), lançado em 2001. Para concebê-lo, Corvisieri veio ao Brasil, e por meio de pesquisas em arquivos e jornais de época, resgatou a trajetória da jovem bailarina que empolgou a sociedade carioca dos primeiros anos do Segundo Reinado.

Marietta (que no Brasil também era chamada de Maria) Baderna nasceu em Castel San Giovanni, em 1828. Desde cedo mostrou inclinação para a dança, estudando com um reconhecido mestre da época, Carlo Blasis. Bonita e talentosa, já aos 15 anos era saudada como uma das revelações mais promissoras do Teatro Scala, de Milão, um dos mais importantes do mundo. Depois de uma temporada de grande sucesso na Inglaterra, em 1847, voltou à Itália, mas por pouco tempo. Seu pai, Antonio, era republicano e tinha sido derrotado no movimento democrático de 1848. Para fugir à repressão, levou a filha a aceitar um convite para se apresentar no Brasil, onde desembarcaram no ano seguinte.

Como primeira-bailarina do Scala, Marietta despertou desde o início a atenção dos brasileiros, que nunca tinham visto uma artista daquela categoria. No principal teatro carioca, o São Pedro d’Alcântara, obteve muito sucesso.

O autor diz que Marietta, de personalidade rebelde, vivia de maneira excessivamente liberal para o Brasil do conservador D. Pedro II. Além de manter uma convivência livre com o amante francês, ela às vezes dançava em bailes, praças e praias. Nessas ocasiões, longe da rigidez dos palcos, preferia os ritmos calientes, como o sensual lundum, então relegado aos escravos. Em 1851, ela resolveu apresentar um lundum no Recife. Apesar dos protestos racistas, a temporada foi mais um sucesso. E marcou o início do abrasileiramento da artista, cujo primeiro contato com as danças dos negros e mulatos tinha sido pela leitura das “Cartas chilenas”, do poeta e inconfidente Tomás Antônio Gonzaga.

Maria morou no Rio até 1863, quando viajou para a França, onde fez sua despedida dos palcos, em 1865. Depois, veio o silêncio, ajudando a alimentar o mito da bailarina que foi amiga do ator João Caetano, contemporânea de cantoras famosas como a Candiani e elogiada por escritores e jornalistas como José de Alencar ou José Maria da Silva Paranhos, o futuro Visconde do Rio Branco.
 

Texto: Esther Chaya Levenstein