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Papo de Teatro com Jairo Mattos

Publicado em: 03/08/2010 |

A equipe de Comunicação e Ideias, responsável pelo portal eletrônico da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, inaugurou o Papo de Teatro, nova seção do site.

O primeiro entrevistado foi Jairo Mattos, ator, diretor e produtor nascido em Porto Alegre.

Na próxima segunda-feira, quem participa da sessão é Rudifran de Almeida Pompeu, ator, diretor e dramaturgo. 

 

 

Como surgiu o seu amor pelo teatro?  

 Sempre gostei do teatro. Desde criança.  Nunca fiz nenhum esforço para ser do teatro. Um dia ele chegou. Me acolheu. E desde então temos uma relação forte. De profundo respeito, um pelo outro.

 

Lembra da primeira peça que assistiu? Como foi?

Não lembro da primeira. Deve ter sido algum infantil em Porto Alegre. Mas lembro de outras que jamais sairão da memória. Teatro quando pega a gente é para sempre. “Macunaíma”, do Antunes, “Arlecchino, Servidor de Dois Patrões”, do Strehler, “O Homem com a Flor Na Boca”, com o Cacá Carvalho…  só para dar alguns exemplos.

 

Qual foi a última montagem que você viu?

Uma montagem de escola, da filha de uma amigo meu no RJ, uma colagem de cenas do Nelson Rodrigues. Adorei.

 

Um espetáculo que mudou o seu modo de ver o teatro.

A peça que me fez ter certeza de que era isso o que queria para a vida foi a montagem de “Mão na Luva”, do Vianinha, com Marco Nanini e Juliana Carneiro da Cunha, 1984. Ainda estava no circo. Me emociono até hoje ao lembrar deles em cena. Nunca entendi porque a peça foi demolida pela critica na época. Era simples. Inteira… Coisa de gente muito inspirada.

 

Um espetáculo que mudou a sua vida.

“Budro”, de Bosco Brasil, direção do Emilio Di Biasi, em 1994. O Emilio, nesta montagem, me fez entender, sem nenhum maniqueísmo, a função do teatro no mundo e, principalmente, na minha vida. E olha que já eu estava no ramo havia 14 anos. Já tinha feito TV, cinema, circo, rua, teatro…

 

Você teve algum padrinho no teatro? Se sim, quem?

Entrei no teatro pelas mãos de Plínio Marcos. Encontrei-o na rua vendendo seus livros. Parei para conversar.  Depois de um tempo ele me disse: o teatro está precisando de galãs…  Escreveu um bilhete me apresentando para Célia Helena, que havia acabado de inaugurar sua escola de teatro em SP. Fiquei um longo período trabalhando com ela. Vinte e tantos anos depois, fiz “Barrela”. E ele já muito doente fugia de casa para assistir à peça atrás da cortina da porta de entrada. Ele adorava a montagem. Para nossa tristeza, morreu quase no fim da temporada. Nunca tive coragem de falar sobre o bilhete com ele… Me arrependo até hoje. Não poderia ter entrado por mãos melhores.

 

Já saiu no meio de um espetáculo? Por quê?

Nunca. Não faria isso nunca…  Além do respeito pelo elenco, acho  mesmo que a pior experiência terá alguma coisa em algum momento que servirá de inspiração.

 

Teatro ou cinema? Por quê?

A vida. Porque ela nos oferece os dois.

 

Cite um espetáculo do qual você gostaria de ter participado. E por quê?

São tantos… Faltaria espaço. Certamente quis por identificação. Com personagens, autor ou com o diretor.

 

Já assistiu mais de uma vez a um espetáculo? E Por quê?

Muitos. Também faltaria espaço… Porque o teatro quando é bom, é uma experiência inigualável. Vicia.

 

Qual dramaturgo brasileiro você mais gosta? E estrangeiro? Explique.

Brasileiros: Martins Pena, Nelson Rodrigues, Bosco Brasil, Mario Bortolotto e Claudia Vasconcelos, só para citar alguns.

Estrangeiros, o Bardo (William Shakespeare), Beckett, Ibsen, Sam Shepard e Tom Stoppard, entre outros tantos. Gosto deles porque os assuntos são diferentes mas a essência é a mesma. Bom teatro.

 

Qual companhia brasileira você mais admira?

Já passei pelo Oficina, Parlapatões, Boi Voador, Cemitério de Automóveis, Folias, La Mínima, entre muitos outros, e admiro cada um deles sem distinção.

 

Existe um grupo ou companhia de teatro que você acompanhe todos os trabalhos?

Além dos que citei acima, mais uma infinidade de São Paulo, fora os de outros estados. Quando digo que gosto de teatro significa que adoro assistir também. Vejo tudo que posso. Em todo lugar. Sempre. Com curiosidade e prazer.

 

Qual gênero teatral você mais aprecia?

Todos. Gosto de teatro.

 

Qual lugar da plateia você costuma sentar? Por quê? Qual o pior lugar que você já sentou na plateia?

Gosto de sentar  na quarta fila, no meio, é o melhor lugar em minha opinião. E detesto a primeira fila, odeio perdigoto.

 

Fale sobre o melhor e o pior espaço teatral que você já foi ou já trabalhou?

Trabalhei em circo, onde não existe tratamento acústico, nem caixa preta. E na rua, com a interferência de bêbados, aviões, cachorros, etc. Então, para mim, não existe melhor ou pior. Existe o espaço e temos que nos comunicar com o que ele oferece.

 

Já assistiu alguma peça documentada em vídeo? O que acha do formato?

Não gosto. Teatro é arte do efêmero. É aquilo no dia e puff… Quem viu, viu. Não existe lente, nem enquadramento, nem áudio que consigam traduzir a catarse de uma apresentação.

 

Existe peça ruim ou o encenador é que se equivocou?

Os dois. Peça ruim e encenador equivocado. E mais… Elenco desafinado. Cenógrafo que não merece ser chamado de cenotécnico. Figurinista querendo lançar moda. Iluminador envergonhando eletricista.  Sem falar em trilha… Uia… é duro. Quando é ruim, é desagradável.

 

Como seria, onde se passaria e com quem seria o espetáculo dos seus sonhos?

Ando com uma vontade tremenda de voltar para a rua. Talvez com Asterix.

Certamente com todos os maravilhosos picaretas, digo, comediantes que conheço no Teatro.

 

Cite um cenário surpreendente.

O cenário futurista de Enki Bilal para “Romeu e Julieta”, na montagem do Ballet de Lyon.

 

Cite uma iluminação surpreendente.

A Luz de “Esperando Godot”, assinada por Aurélio de Simoni. Delicada, poética e muito engraçada. Surpreendente mesmo.

 

Cite um ator que surpreendeu suas expectativas.

Rubens Corrêa. Sensacional. Assisti varias vezes “Artaud”,  “O Futuro Dura Muito Tempo” e  “Colombo”, entre outras. Sempre uma experiência fantástica e diferente da outra.

 

O que não é teatro?

Existe?

 

Que texto você foi ler depois de ter assistido a sua encenação?

“Esperando Godot”. Montagem genial dirigida por Moacir Chaves no Teatro Ipanema, Rio de Janeiro. Achava o Beckett, na minha santa ignorância na época, um mala. Depois da apresentação corri para casa para reler a peça e me achei um bosta. Acabei participando da montagem uma semana depois. Foi uma lição e tanto.

 

A ideia de que tudo é válido na arte cabe no teatro?

Prefiro a ideia de que tudo o que cabe na arte do teatro é valido.

 

Na era da tecnologia, qual é o futuro do teatro?

A palavra ainda é, e sempre será, em minha opinião, é claro,  a força motriz do teatro.

 

O teatro é uma ação política? Por quê?

Porque mesmo não querendo o ser humano vive de ações políticas, por menores que sejam.

 

Quando a estética se destaca mais do que o texto e os atores?

É chato. Muito chato. Botou o publico para correr na década de 80.

 

Qual encenação lhe vem à memória agora? Alguma cena específica?

“O Beijo da Mulher Aranha”. Direção de Ivan de Albuquerque. Rubens Correia ia deslizando a mão no cenário muito lentamente, quase imperceptível mesmo, enquanto o personagem do  Zé de Abreu discorria sobre um assunto extremamente político. Era de uma beleza e de uma poesia que só um grande ator como ele conseguiria realizar sem roubar a cena.

 

Em sua biblioteca não podem faltar quais peças de teatro?

Não podem faltar peças de teatro.

 

Cite um diretor (a), um autor (a) e um ator/atriz que você admira.

Diretor: Emilio Di Biasi. Autor: Bosco Brasil. Ator: Cacá Carvalho. E olha que já quebrei o pau com todos eles.

 

Qual o papel da sua vida?

Kean, de Jean Paul Sartre. Estou esperando completar meus 50 anos para montá-lo.

 

Uma pergunta para Nelson Rodrigues.

O que você acha da fama de pornográfico, apesar de não ter escrito nenhum palavrãozinho em sua obra?

 

O teatro está vivo?

Acredito, sinceramente, que sim. E, principalmente, que continuará, mais vivo do que nunca. Não pela quantidade, mas pela qualidade. E não importa o gênero.

 

 

Fotos: Lucas Arantes