Flavio Baiocchi (Foto: Divulgação)
Flavio Baiocchi é ator e vocalista da banda Sound Machine Trio
Como surgiu o seu amor pelo teatro?
Meu amor pelo teatro foi uma consequência do meu amor pelas artes em geral. Sou o filho caçula de uma família com cinco irmãos, na qual todos, por influência da minha mãe, crescemos tendo aulas de arte, de música… O primeiro amor foi a música. O teatro veio mais tarde e hoje tento dividir meu tempo entre os dois.
Lembra da primeira peça a que assistiu? Como foi?
A primeira peça que assisti foi uma montagem de “Dona Baratinha”, uma montagem feita pela turma da escola, que estava um ano na minha frente. Só me lembro que achei tudo espetacular… Também pudera, eu tinha só cinco anos (risos).
Um espetáculo que mudou o seu modo de ver o teatro.
Entre vários, citarei a montagem de “Romeu e Julieta”, com o grupo mineiro Galpão, a qual assisti em 1995. Na época, estudava teatro na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), no Rio de Janeiro, e ver um grupo brasileiro fazendo Shakespeare de uma maneira tão original, desapegada da obrigação daquilo que eu ouvia ser uma “interpretação shakespeariana”, me fez, naquele momento, abrir minha mente e começar a mudar meu modo de ver o teatro.
Um espetáculo que mudou a sua vida.
Assisto a pelo menos duas peças por semana. Portanto, seria difícil responder a essa pergunta, mas de alguma maneira, ter assistido aos 16 anos “Feliz Ano Velho”, de Marcelo Rubens Paiva, em Goiânia (cidade onde nasci e vivi até os 24 anos), mudou minha vida. Foi naquele dia, ao sair do teatro, que senti que queria fazer parte daquele universo.
Você teve algum padrinho no teatro?
Diria que padrinho não, mas cito a importância que a companhia de atores-cantores Cantando na Chuva teve em minha trajetória. Por ter sido muito nômade (comecei em Goiânia, passei seis anos estudando teatro no Rio e me fixei em São Paulo apenas em 2001), cheguei a São Paulo já com um bom currículo, mas poucos contatos, e foi naquela companhia que conheci os amigos que naturalmente me ajudaram em meu caminho artístico. Lá, criei relações verdadeiras de amizade e, de alguma forma, alguns deles foram meus padrinhos.
Já saiu no meio de um espetáculo?
Sim, mas bem menos do que gostaria. Vou ao teatro para aprender, conhecer ou até mesmo com o intuito apenas de diversão. E quando não encontro nada disso em um espetáculo, minha vontade é simplesmente ir embora. Mas nem sempre é possível, até por educação.
Teatro ou cinema?
Os dois. O teatro tem aquela coisa mágica de ser ao vivo, de você ver os atores vivenciando histórias, vidas e situações naquele momento, na sua frente. Já o cinema tem toda essa magia também, pois filmes são literatura visual e bons filmes nos proporcionam verdadeiras viagens, aprendizado, reflexão, entre outras coisas.
Cite um espetáculo do qual você gostaria de ter participado.
Não seria capaz de dizer apenas um, mas uma infinidade de espetáculos dos quais eu gostaria de ter feito parte do elenco. Toda vez em que assisto a um espetáculo que me toca de alguma forma, sempre saio com o pensamento de que gostaria de fazer parte dele. Posso citar o espetáculo “Don Juan”, dirigido por William Pereira, que está em cartaz no momento, como um exemplo de um do qual eu gostaria de ter participado.
Já assistiu mais de uma vez a um mesmo espetáculo?
Sim, com certeza. E são tantos que também seria difícil citar apenas um, mas me recordo de ter assistido ao espetáculo “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá” , uma adaptação de Vladimir Capella de uma obra de Jorge Amado, umas oito vezes. Não só por ter amigos queridos no elenco, mas por ter sido um dos melhores espetáculos infanto-juvenis a que assisti em toda minha vida.
Qual dramaturgo brasileiro você mais admira? E estrangeiro?
Existem grandes dramaturgos, de ontem e de hoje, tanto no Brasil quanto no exterior, e admiro vários. No Brasil posso citar Nelson Rodrigues, que para mim é um gênio, por ter conseguido entrar fundo e exprimir, em peças, contos e crônicas, o mais profundo (e para alguns medonho) recôndito da alma humana. Adoro quase todos os autores realistas norte-americanos dos anos 30 em diante, e cito Arthur Miller, autor de “A Morte do Caixeiro Viajante”, por ter sido um crítico ferrenho daquela sociedade, na qual por trás do American dream existia um pesado sistema, em que o homem tinha duas opções: a de ser o maioral, o herói amado por todos, ou ser um “loser”. Arthur Miller teve uma longa vida e foi extremamente criativo até seus últimos anos.
Qual companhia brasileira você mais admira?
Admiro muito o grupo Tapa por, entre outros motivos, estar aí há quase 30 anos e sempre se renovar, por manter grupos de estudo, nos quais o profissional de teatro tem as portas abertas para lá ingressar e aprender as técnicas do grupo. Eu os admiro também pela ética e seriedade com que encaram o trabalho de fazer teatro no Brasil. Eles são, sem dúvida, uma referência para qualquer pessoa que queira (de verdade) ser ator neste País.
Existe um artista ou grupo de teatro que você acompanhe todos os trabalhos?
Não. Mas registro aqui que eu gostaria imensamente de ter assistido a todos os espetáculos da atriz Denise Weinberg, mas isso só seria possível se eu voltasse no tempo.
Qual gênero teatral você mais aprecia?
Aprecio o bom teatro, independentemente do gênero.
Em qual lugar da plateia você gosta de sentar? Qual o pior lugar em que você já se sentou em um teatro?
Gosto de me sentar num lugar de onde eu possa enxergar todo o palco, seu cenário e a movimentação dos atores. Os piores lugares que sentei foram sempre ou muito na lateral ou atrás de alguém muito alto ou cabeçudo (risos), pois existem teatros em que não há o declive necessário de uma fileira para outra, para que o vizinho da frente não atrapalhe.
Fale sobre o melhor e o pior espaço teatral que você já foi ou já trabalhou.
Gostei muito de trabalhar no Teatro Folha, no Shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo, por ter uma acústica muito boa, e também no teatro do Shopping Bourbon Country, em Porto Alegre, onde me apresentei durante a turnê da peça “Advocacia Segundo os Irmãos Marx”, sob a direção de João Fonseca. Não saberia dizer o pior teatro em que já estive ou trabalhei, mas existe um teatro na Praça Roosevelt, se não me engano é um dos espaços do grupo Os Satyros, onde o desconforto e a falta de estrutura realmente incomodam. Sentir-se confortável faz parte de entrar no clima para se apreciar um espetáculo.
Existe peça ruim ou o encenador é que se equivocou?
Existem os dois. Há peças ruins, que até melhoram com uma forcinha do encenador, e existe o contrário: encenadores que destroem um bom texto, seja pela direção equivocada ou por um elenco inadequado.
Como seria, onde se passaria e com quem seria o espetáculo dos seus sonhos?
O espetáculo dos meus sonhos seria, primeiro, um texto que realmente me interessasse como ator e como ser humano e que eu sentisse que pudesse dizer algo às pessoas com ele. Esse espetáculo poderia ser encenado em qualquer cidade, desde que num espaço adequado, e seria um sonho completo se, no meio disso tudo, eu ainda tivesse o prazer de trabalhar somente com amigos e colegas queridos, conscientes e entregues ao trabalho.
Cite um cenário surpreendente.
Já vi cenários espetaculares e surpreendentes, em peças que não me tocaram absolutamente em nada, e vejo isso em vários musicais recentes, onde a beleza do cenário não salva o espetáculo em si. Acho surpreendente o cenário que casa com a proposta, com o texto, mas que, obviamente, tenha atores alinhados e preparados para cumprirem com dignidade seu papel.
Em 1999, assisti ao espetáculo de dança “Rota”, de Deborah Colker, e não sei por que me veio o mesmo à cabeça agora, mas aquele espetáculo me marcou e o cenário, que eu achei surpreendente, era apenas uma roda. Ver a entrega e a beleza gigantesca do trabalho daqueles artistas me fez achar aquele pequeno cenário surpreendente.
Cite uma iluminação surpreendente.
Gosto muito do trabalho desenvolvido por Fran Barros, com quem eu trabalhei na peça “Novelo”, e também do trabalho de Cesar Pivetti, com quem ainda não tive a chance de trabalhar, mas em breve o farei.
Cite um ator que surpreendeu suas expectativas.
Eu cito Rodrigo Lombardi, mas saliento que ele não surpreendeu minhas expectativas pelo fato de eu sempre considerá-lo um ótimo ator. Mas sua trajetória me chama a atenção pelo fato de ele ter trilhado um caminho de muito sucesso midiático e, mesmo assim, ter mantido os seus pés em suas origens artísticas, que é o teatro, o lugar para onde ele sempre volta. Assisti recentemente à sua performance em “Don Juan” e vi um grande ator em cena, entregue totalmente ao personagem, a serviço do teatro, coisa rara hoje em dia. Rodrigo me surpreende e inspira.
O que não é teatro?
Não me sinto bem tentando definir o que é ou não teatro, mas a partir do momento em que não entendo o porquê daquilo que está acontecendo em cena, ou se o que está acontecendo é algo aleatório e sem propósito, para mim, então, não é teatro. Há cinco anos fui assistir a um espetáculo (ótimo, segundo a crítica especializada) do lendário e aclamado diretor José Celso Martinez Corrêa, e a sensação que tive foi a de ter assistido a qualquer coisa. Sem dúvida alguma, teatro passava longe daquilo. Foi difícil aguentar as quase cinco horas de blá-blá-blá sem o menor sentido. Haja paciência.
A ideia de que tudo é válido na arte cabe no teatro?
Tudo é valido naquilo que tem um propósito e um motivo de existir e ser mostrado. Isso obviamente cabe no teatro também.
Na era da tecnologia, qual é o futuro do teatro?
A tecnologia por si só não faz o teatro existir, mas a vejo como uma grande aliada, como um elemento agregador, desde que venha junto com um bom texto, bons atores e espaço adequado. Sendo bem usada, a tecnologia é muito bem-vinda, com certeza.
Em sua biblioteca não podem faltar quais peças de teatro?
Depois que leio as peças, geralmente empresto ou dou a colegas e amigos, portanto, minha biblioteca é pequena. Mas as obras de Nelson Rodrigues e dos norte-americanos Eugene O’Neill e Arthur Miller ficam aqui em casa.
Cite um diretor (a), um autor (a) e um ator/atriz que você admira.
Admiro profundamente e com muito carinho a atriz e diretora Denise Weinberg, por quem tive a chance de ser dirigido numa montagem de “O Pelicano” (de August Strindberg), em 2009 e 2010. Sem dúvida alguma, uma grande atriz, consciente do seu trabalho, do seu tempo e de sua função enquanto formadora de opinião. Além disso, um ser humano diferenciado, por sua profundidade e humanidade.
Qual o papel da sua vida?
Ainda não aconteceu.
Uma pergunta para William Shakespeare, Nelson Rodrigues, Bertold Brecht ou algum outro autor ou personalidade teatral que você admire:
Faria a Nelson Rodrigues: “Como você conseguiu, não tendo formação em psicologia, psicanálise ou psiquiatria, ter entrado tanto, e com tanta profundidade, no cérebro humano e descoberto suas mais loucas (e reais) fantasias?”.
O teatro está vivo?
Apesar dos 70% citados acima (risos) estarem mortos, o teatro está mais vivo do que nunca. Novos, excelentes e conscientes autores e atores sempre surgirão.