EN | ES

Papo com Paroni | Trigonometria cômica

Publicado em: 26/08/2013 |

 

por Maurício Paroni de Castro*, especial para o portal da SP Escola de Teatro

O instrumento principal da comicidade é o encaixe de situações com o objetivo de evidenciar determinado conflito humano. Já no drama, o conflito em si é instrumento com o objetivo de cavar fundo a vida humana. O trinômio encaixe da trama-comédia-Molière nos remete a uma compreensão da vida num plano horizontal; o trinômio conflito-drama-Shakespeare a uma mesma compreensão num plano vertical, como Peter Brook não se cansava de declarar em seus ensaios. Molière, o maior construtor de tramas do teatro, abriu a trilha do burguês emergente diante de fidalgos à beira de um precipício. Shakespeare criou uma língua franca para a personalidade moderna. São as duas parábolas mais importantes do teatro de prosa até que Beckett chutasse o balde da trama com ações de aparente ausência de sentido existencial. Qual o ângulo de convergência de tudo isso?

Na figura do triângulo burguês. Quintetos de coralidade irreverente, duelos acirrados, rivalidades atávicas, fraudes iconoclastas e imposturas de estado sucumbiram a este motor poderoso: amor e traição (burguesa). Uma síntese dialética do mundo privado emergente do século 17 à primeira metade do século 20.

Síntese que faz qualquer palavra de Molière exercer eterna atração no público. Flertemos com o Don Juan para encerrar a conversa: “Você quer que alguém se ligue definitivamente a um objeto de paixão como sendo único no mundo? Que renuncie ao mundo para cegar-se à beleza? Que alguém, em plena juventude, se entreve na cova da sedução única, que morra diante da beleza mundana em nome daquela honra artificiosa chamada fidelidade? Ser fiel é ridículo, burro, coisa para medíocres. Toda mulher bela exige o direito de um instante do nosso encantamento; a sorte de ter sido a primeira não pode impedir a outras o direito de agitar o nosso coração”.

Aqui está um dos fermentos dos gênios de Goldoni, Marrivaux, Wilde, Shaw, Pirandello, Ibsen, Strindberg, Tchekhov, Gonçalves Dias, Wedekind, Brecht.  Mostra, também, a importância de assistir a encenações de Molière o quanto mais jovens pudermos. A propósito, tem uma no Espaço Parlapatões até final de outubro: “O burguês fidalgo” – e eles são bons de palco.

*Maurício Paroni de Castro é coordenador projeto “Chá e Cadernos”, na SP Escola de Teatro

 

Relacionadas:

Papo com Paroni | 21/ 03/ 2017

Chá e Cadernos | Cem ponto zero!

SAIBA MAIS

Papo com Paroni | 16/ 03/ 2017

Papo com Paroni | Memento Mori

SAIBA MAIS

Papo com Paroni | 03/ 03/ 2017

Papo com Paroni | Fluxo vital, passado e futuro

SAIBA MAIS