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Os Satyros estreiam peça com grande elenco via Zoom

Publicado em: 06/06/2020 |

POR MIGUEL ARCANJO PRADO

Para a Cia. Os Satyros, as novas tecnologias nunca foram vistas como um problema, mas, sim, como aliadas. E é movida pela vontade de assimilar os desafios do novo à criação artística que a companhia estreia nesta semana um espetáculo teatral inédito, com grande elenco, em uma plataforma online. O nome não poderia ser melhor: “A Arte de Encarar o Medo”, crida nesta pandemia, com dramaturgia de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez (este também assina a direção).

No elenco, que surgirá para o público em telas no aplicativo Zoom, estão, além de Cabral, os atores Eduardo Chagas, Nicole Puzzi, Ulrika Malmgren, Diego Ribeiro, Fabio Penna, Gustavo Ferreira, Henrique Mello, Julia Bobrow, Ju Alonso, Marcelo Thomaz, Marcia Dailyn, Mariana França, Sabrina Denobile e Silvio Eduardo. Juntam-se a eles o ator convidado César Siqueira e dos atores mirins Nina Denobile Rodrigues e Pedro Lucas Alonso. Assinam a orientação visual de Adriana Vaz e Rogério Romualdo, e as fotos são de Andre Stefano.

A obra de 50 minutos tem pré-estreia já neste fim de semana, mas estreia para o público pagante no dia 13 de junho, com sessões sexta e sábado, às 21h, e domingo,  às 16h. Os ingressos custam R$ 20 e R$ 10 (meia), à venda no Sympla — pessoas em situação de vulnerabilidade na pandemia não pagam. Quem desejar contribuir com um valor maior também pode fazer sua doação.

Nesta entrevista, os criadores da peça e fundadores há 31 anos do Satyros, Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez, falam sobre o espetáculo e o delicado momento que o teatro vive. 

ENTREVISTA

Miguel Arcanjo Prado – O que foi mais difícil no processo criativo de criar “A Arte de Encarar o Medo”?
Rodolfo García Vázquez – A maior dificuldade do processo criativo foi entender o suporte sobre o qual íamos trabalhar, entender seu potencial e suas limitações. A maior parte da equipe não tinha intimidade com a plataforma Zoom. Passamos grande parte dos ensaios das primeiras semanas tentando assimilar todos os desafios tecnológicos.
Ivam Cabral – Somos analógicos, e mergulhamos, sem rede de proteção, num processo totalmente digital. Então, encontramos todas as dificuldades que a tecnologia pode trazer. Tivemos que driblar, desde conexões precárias de internet, até as dificuldades na construção de nossos cenários e figurinos. Afinal estamos todos em isolamento em nossas casas, tendo que trabalhar, no máximo, com a disponibilidade do Mercado Livre [risos].
Rodolfo García Vázquez – Outro desafio foi estético. Tivemos que criar uma forma teatral nova, que fosse feita especificamente para o Zoom. Descobrimos o que significa coxia, deixa, marcação, etc (termos técnicos da cena) no contexto do teatro digital. Cada atuante se tornou também co-criador(a) de luz, cenários, figurinos e de som dentro do ambiente digital. 

Miguel Arcanjo Prado – A peça “A Arte de Encarar o Medo” fala sobre o quê?
Ivam Cabral – A peça se passa no futuro, em 2035, onde não existem mais emissoras de TV, nem jornais. Misteriosamente, ainda se tem energia elétrica e internet. Estamos há 5.555 dias isolados, cada um em um lugar do planeta, buscando informações uns dos outros, tentando solidificar relações que já não se sustentam. Esse ambiente distópico é o ponto de partida deste “A Arte de Encarar o Medo”.
Rodolfo García Vázquez – Basicamente é uma discussão a partir de uma distopia sobre um futuro hipotético em que a humanidade não tivesse superado a pandemia, daqui a 5.555 dias, como o Ivam falou. Ao tratar desse futuro distópico, começamos a falar sobre as experiências que estamos vivendo no cotidiano da quarentena e nossos medos diante de uma catástrofe sanitária, além de uma crise política gravíssima. São inúmeras as questões que estes tempos caóticos trazem: éticas, morais, políticas, existenciais. 

LEIA TAMBÉM:
>> Rodolfo García Vázquez fala sobre filosofia e criação no ‘Diálogos sobre a Pandemia’

Miguel Arcanjo Prado – Quais referências vocês trazem?
Rodolfo García Vázquez – Toda essa complexidade nos levou a ler reflexões de pensadores e pensadoras importantes, tais como Paulo B. Preciado, Judith Butler, Byung-Chul Han e Luciano Floridi. No entanto, trazer todos os temas da quarentena foi relativamente fácil. A humanidade está mergulhada na pandemia neste momento, é um fenômeno global. Tudo o que fazíamos parecia orgânico e facilmente compreensível para todo o coletivo. Os medos da equipe são os medos de toda a sociedade.

Peça é encenada em videoconferência. Foto: André Stefano/Divulgação

Miguel Arcanjo Prado – Como é a parceria com uma atriz sueca nesta peça?
Rodolfo García Vázquez – Ulrika Malmgren é uma atriz sueca muito conhecida por lá. Somos amigos há muitos anos e ela sempre teve uma grande conexão com o nosso modo de trabalho. Aliás, ela fez parte de outro espetáculo ciborgue nosso, Cabaret Stravaganza, que fez uma temporada extraordinária em Estocolmo em 2011.
Ivam Cabral – A Ulrika Malmgren é uma importante atriz de Estocolmo, professora da Escola de Teatro de Estocolmo e parceira do Satyros há quase 10 anos. Já trabalhamos juntos em duas ocasiões: aqui, no Brasil; e na Suécia, também. Pela primeira vez pudemos trabalhar em um processo cada um em seu país.
Rodolfo García Vázquez – Quando resolvemos ensaiar a peça online, imediatamente pensamos em uma parceria com ela, e ela aceitou de imediato. Sua contribuição tem sido incrível para o trabalho. Incrível também imaginar que estamos a mais de 10 mil quilômetros de distância e conseguimos ensaiar o espetáculo todo dessa forma. A experiência digital nos colocou tão próximos quanto qualquer outra pessoa da equipe em sua casa, em São Paulo.
Ivam Cabral – Graças à internet e a essas tecnologias que, se num primeiro momento nos apavoraram, em seguida nos trouxeram libertação. De trazer a Ulrika pra junto da gente sem que a questão geográfica fosse um problema.
Rodolfo García Vázquez – Também temos no elenco um atuante, César Siqueira, que nunca conhecemos pessoalmente. E criamos uma intimidade artística digital que nos torna especialmente próximos.

Miguel Arcanjo Prado – Por que falar de pandemia em tempos de pandemia?
Rodolfo García Vázquez – Porque a arte pode nos salvar dela. A pandemia fechou os teatros, os cinemas, as casas de ópera, e tudo o mais. Mas encontramos no teatro digital um caminho de expressão artística. As pessoas precisam da arte porque não bastam hospitais para curar corpos, precisam também de hospitais para curar almas. E o teatro sempre foi um hospital de almas.
Ivam Cabral – Estamos todos apavorados, amedrontados, sem entender direito o que está acontecendo no mundo. Então, nada mais natural que esse tema brotasse já em nosso primeiro encontro. Me lembro bem, quando nos reunimos pela primeira vez, em teleconferência, nosso encontro foi muito emocional. Choramos todos, amedrontados e infelizes com nossas novas condições. Nada mais natural do que trazer todas essas apreensões para dentro das nossas investigações. O resultado, certamente, não trará nenhuma resposta para o que está acontecendo no mundo; mas, certamente, alenta nossas solidões e aponta caminho para a construção dos nossos afetos em tempos tão, tão difíceis.

Miguel Arcanjo Prado – Como vocês respondem a quem diz que teatro online não é teatro?
Rodolfo García Vázquez – Não precisamos (e nem queremos perder tempo em) responder a esse tipo de questionamento neste momento. Enquanto as pessoas ficam discutindo o que é teatro ou não, nós estamos produzindo arte de forma online, que é o que nos interessa agora, com a urgência e a paixão que nos tomaram. E estamos apaixonados por fazer isso e abrir portas para esse novo mundo. Para nós, o teatro digital é uma realidade concreta. Já temos vários outros projetos engatilhados para depois desta estreia. Não vamos parar. 

Ivam Cabral – Não estamos preocupados com esta discussão [se teatro online é ou não teatro]. Não acho que interessa agora, sabe? Quando no final do século XIX a luz elétrica chegou ao teatro, todos queriam a volta das velas. Quando o cinema deixou de ser mudo o mundo todo se revoltou dizendo que aquilo não era cinema. Portanto, vamos deixar que o futuro defina o que estamos fazendo. Uma coisa é certa: o teatro é o lugar da presença que acontece com um espaço, um ator, alguém que vê esse ator. Isso define o que é teatro. Uma tríade, portanto. Neste nosso trabalho existe tudo isso: espaço digital, atores e a presença que, neste caso, é uma telepresença – mas que não deixa de ser presença. Estamos vivos no espaço da cena e isso é inegável.   

Miguel Arcanjo Prado – Qual a expectativa vocês tem da relação com o público nesta peça?
Rodolfo García Vázquez – Tudo é tão inédito que fica difícil falar em expectativas. Pelos ensaios abertos que tivemos, os millenials parecem muito disponíveis e embarcam rapidamente na experiência. As pessoas mais analógicas (digamos, mais velhas) têm uma certa dificuldade em assimilar a experiência. Tenho a sensação que elas perdem mais tempo em tentar entender o que aconteceu do que propriamente em viver a experiência que propusemos. 

Miguel Arcanjo Prado – E a relação financeira, de o público pagar para ver a peça online?
Ivam Cabral – Acho que será bem difícil. A internet é a terra de ninguém, ninguém quer pagar nada na internet. Há uma cultura de que se pode piratear tudo, baixar todos os filmes, todas as músicas. Por outro lado, existe um público mais exigente, que busca conteúdos exclusivos, novas formas de interação. Estamos apostando neste pessoal, com a certeza, absoluta mesmo, de que será muito difícil.

Miguel Arcanjo Prado – Por que as novas tecnologias sempre fascinaram Os Satyros?
Ivam Cabral – Embora de formação analógica, sempre fomos fascinados pela tecnologia. Fomos a primeira companhia de teatro brasileira a criar um site na internet, isso em 1993. Em 2009, quando os celulares começaram a importunar o teatro criamos uma peça onde nossos espectadores podiam atender suas chamadas durante a peça. Inclusive levamos isso pra cena. Nunca nos incomodamos com redes sociais, também. Parte grande do nosso público, cerca de 80%, é capitaneada pelas redes sociais, atualmente. Propositalmente, passamos um tempo grande sem enviar material de divulgação à imprensa, por exemplo. A internet pode, sim, ser uma grande aliada ao teatro.
Rodolfo García Vázquez – Há muitos anos estamos nessa viagem. A tecnologia está no cerne da história do teatro, mas sempre foi negligenciada. A revolução digital que vivemos modificou as nossas vidas profundamente e isso afeta nossa sensibilidade estética de forma definitiva. A humanidade se tornou ciborgue, o teatro tem que ser ciborgue. 

Miguel Arcanjo Prado – Qual será o futuro do teatro?
Ivam Cabral – Será, certamente, de milhões de maneiras diferentes, como sempre foi. Nas salas de espetáculos, na rua, nas casas, nas escolas, nas igrejas e agora na internet. Sem nenhum preconceito.
Rodolfo García Vázquez – O futuro do teatro terá o teatro presencial e o teatro digital. O futuro do teatro será de múltiplos teatros. O futuro do teatro está nas nossas mãos.

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CULTURA EM CASA

Assim como outros equipamentos, a SP Escola de Teatro criou uma programação especial na internet para oferecer ao seus seguidores. Assim, está disponível uma série de conteúdos multimídia, como vídeos de espetáculos e de palestras e bate-papos de nomes como as atrizes Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg e Denise Fraga, a monja Coen, a escritora Adélia Prado e o pastor Henrique Vieira, além de cursos gratuitos a distância.

O acervo ainda inclui filmes produzidos pela Escola Livre de Audiovisual (ELA) – iniciativa da Associação dos Artistas Amigos da Praça (Adaap), gestora da SP Escola de Teatro – em parceria com instituições internacionais, com a Universidade das Artes de Estocolmo (Suécia).

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