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Os fofos ensinam

Publicado em: 06/12/2013 |

* por Ivam Cabral, especial para o portal da SP Escola de Teatro

 

Sempre soube. No teatro, minhas responsabilidades sempre foram além do comando de um espaço espremido na Praça Roosevelt. Atualmente, muito além da direção de uma grande escola de teatro. Gosto de pensar em Milton Santos, que diz que: “O mundo é formado não apenas pelo que já existe, mas pelo que pode efetivamente existir”.

 

Este é o meu tempo e é por ele que insisto. Imaginar que a vida pode ir além das dificuldades, das faltas de perspectivas, dos nãos que recebemos a todo instante pode, sim, ser um motor.

 

Eu disse, certa vez, que:

 

“Sozinho não sou nada;

Mas, com um sonho,

Sou um exército.”

 

Desta forma, se eu encontrar pelo meu caminho uma única pessoa que partilhe das minhas ideias, o mundo poderá ser transformado. Podemos ser muitos. E fortes.

 

Não posso cruzar os braços e achar que o fechamento do Espaço dos Fofos, por exemplo, é só um problema de um coletivo que trabalha na Bela Vista. Se encerrado, teremos que conviver com um vazio que, acreditem, jamais será preenchido. E como serão as nossas vidas a partir deste fato? Sobreviveremos com a dor da perda de um projeto que, por anos, interferiu diretamente nas nossas vidas e no imaginário de toda uma geração?

 

Eu não conseguiria. Pelo menos se não tentasse alguma coisa. Porque se o mundo ideal é aquele que pode ser transformado, vamos, então, juntar forças e partir para a luta. Encontraremos saídas, não duvido.

 

Digo isso com base em minha própria experiência aqui na SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco.

 

Ouço sempre dizerem que a SP Escola de Teatro é rica. Doce ilusão. Como gostaria que ela fosse. Que pudéssemos ter 100 vezes mais aprendizes – pois a procura existe –, que conseguíssemos desenvolver centenas de outros projetos e receber outros tantos convidados.

 

Mas a realidade é a seguinte: trabalhamos dura e arduamente na construção de um projeto cada vez mais suado. Por exemplo, logo que estruturamos o desenho da Escola, recebemos uma proposta para trazer o Donato Sartori ao Brasil. O projeto custava R$ 300 mil. Saímos doidos à procura de apoios para o evento. Em vão: o dinheiro nunca surgiu, nada aconteceu e a ideia foi arquivada. 

 

Quem diria que, passados alguns anos, o mesmo Sartori viria ao Brasil para lançar o livro “A arte mágica”, pela É Edições. Eu conheço o Edson Filho, editor da É. Foi uma conversa com ele que fez com que o mestre italiano, que trabalhou com nomes como Giorgio Strehler, Jacques Lecoq, Jean-Louis Barrault, Eduardo de Filippo, e estendendo seu conhecimento a Dario Fo e Peter Oskarson, viesse à nossa Escola. O custo disso? Zero.

 

Enquanto isso, o dinheiro que nos é disponibilizado serve, por exemplo, para incentivar – e, em muitos casos, possibilitar – que tenhamos conosco boa parte de nossos aprendizes. E isso é feito pela concessão de Bolsas-Oportunidades, no valor de R$ 622 – que, diga-se de passagem, é maior que o das bolsas de iniciação científica universitária, por exemplo.

 

Falamos aqui, aparentemente, sobre dinheiro. Mas só aparentemente, porque a questão vai muito, mas muito além disso: o que está em jogo são vidas e sonhos. Basta perguntar às nossas recepcionistas sobre suas perspectivas hoje em relação ao futuro. Aliás, este foi outro projeto no qual a grande maioria não acreditou: reservar as vagas em nossa recepção exclusivamente a transexuais, prática que adotamos desde a fundação da Escola.

 

No mesmo sentido, trouxemos, neste ano, um grupo de massagistas cegos para atender nossos colaboradores. Eles, a propósito, também estiveram na Satyrianas deste ano, e fizeram sucesso aplicando massagens em todo mundo na Praça Roosevelt. Abrir portas, criar caminhos, isso é nossa obrigação.

 

Essa ação também dialoga com a proposta de horizontalidade que rege nosso projeto. Gosto de pensar na autonomia – com rigor e responsabilidade, claro – e no trabalho indissociável do prazer, conceitos que funcionam como força motriz do projeto. O rumo da Escola é decidido dia após dia, com a participação de cada um dos que a compõem – de coordenadores até a copeira –, e os números e balanços do projeto também estão sempre abertos a todos.

                                      

Pretendemos, efetivamente, mudar o mundo. Digo isso sempre. E aí é que entra a preocupação com aquilo que está em nosso entorno. Pois, então: Meio ambiente, para mim, é exatamente isso: tudo o que nos cerca – e não só as árvores, os rios, os animais. Falar de sustentabilidade é falar sobre cuidar de nosso meio. E é dessa ideia que surgiu nosso projeto Escola Verde.

 

Além da conscientização dos colaboradores acerca do papel da Instituição perante a sociedade, a iniciativa mira a prática de ideias para manutenção ambiental e social. Dentro disso, a reutilização de papel sulfite, a distribuição de squeezes, ecobags, e lápis feitos com madeira de reflorestamento, e a realização de coleta seletiva são apenas de algumas das medidas que tomamos. Nem vou falar novamente sobre a nossa querida mascote, Cacilda, a vira-lata e mãe solteira que em 2011 apareceu para mudar nossa vida.

 

Dialogar com as necessidades do nosso planeta e contribuir para aumentar a sustentabilidade da cidade é mais que uma opção: é responsabilidade, obrigação. 

 

Foi pensando nisso, também, que, ao tomarmos conhecimento da constante baixa no estoque de bancos de sangue de todo o País, resolvemos criar o Escola Vermelha, projeto que visa incentivar a doação de sangue de funcionários, formadores e aprendizes. Inclusive, candidatos do Processo Seletivo 2014 que doassem sangue na Fundação Pró-Sangue Hemocentro de São Paulo tinham o direito de solicitar isenção integral do pagamento da taxa de inscrição.

 

São tantas outras ações que às vezes até me assusto com a quantidade de coisas nas quais nos envolvemos e o quanto conseguimos modificar até hoje. É por isso que não posso, não quero e não vou aceitar calado o que acontece hoje com os Fofos. Precisamos nos unir. Essa luta não é deles. Não é da Escola. E não é só do teatro. É de todos nós, cidadãos e seres humanos. E agora, fingimos que não é com a gente?

 

*A coluna de Ivam Cabral é publicada às sextas-feiras. Clique aqui para ler outras colunas.