SP Escola de Teatro

Os espelhos de “Parto”, entre morte e nascimento

Por Joyce Salustiano, especial para SP Escola de Teatro

 

A leitura encenada de Parto, com dramaturgia de Rafael Cristiano e direção de Eliane Weinfurter, nos leva às vozes mitológicas, aos espelhos de Oxum e Narciso e a um ritual adiado. Em meio às narrativas que anunciam essas presenças, há o discurso de cada mito misturado a vozes do cotidiano, falas fragmentadas de pessoas que não são deuses, mas também não são tão mortais.

 

Cristiano e Weinfurter também atuam na leitura. Cristiano faz Narciso, Weinfurter faz Oxum, e em alguns momentos ambos dividem falas de outras personagens que se fragmentam entre si. Lembrei que quando fui para Santo Amaro, no recôncavo baiano, fiquei impressionada como as pessoas são personificadas em divindades, porque são filhas e filhos destes santos, “a vizinha é assim porque é filha de Xangô”, “olha a serenidade de Ipa, é Iemanjá toda” – o sagrado anda pelas ruas e por todos. Um panteão de verdade? Aqui chamamos de Terreiro e o texto carrega essa potência de significados.

 

Muito interessante a abordagem dos espelhos que a dramaturgia traz, a simbologia dos reflexos entre uma imagem e outra, do olhar e (re)conhecimento, ser e tornar-se espelho do outro, como um bebê que sabe de si pelo olhar da mãe /do pai. Pensei em todas as vezes que tive o desejo de identificação com as mitologias gregas; quantas vezes tentei me ver Eco? E quantas vezes me afoguei até saber de mim num espelho de Orixá? Neste sentido, a artista Grada Kilomba tem uma vídeo-performance sobre o tema, chamada Narciso e Eco.

 

O título da obra – Parto – é o prenúncio de uma ação que não se efetivou na interpretação. Os mitos clamam consigo um símbolo e a leitura vai até onde consegue ir. Mesmo sendo dito ao fim que um parto aconteceu, que de uma morte apartada houve o nascimento de um outro mito, de outro alguém, senti a frustração de algo que se espera e logo se adia. Confiemos que a quarentena acabe depressa porque fiquei ansiosa pela feitura desse encontro e desse acontecimento. Os cantos de início me deixaram no ponto de amparar essa criança que ia nascer, mas fiquei órfã antes mesmo do fim. 

 

então eu aguardo.

 

* Joyce Salustiano é participante da oficina olhares: poéticas críticas digitais, oferecida pela SP Escola de Teatro e ministrada pelo crítico Amilton de Azevedo, que supervisiona a produção e edita o material resultante.

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