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Nathalia Timberg por Aimar Labaki

Publicado em: 30/03/2012 |

Hoje, chamamos de grande dama qualquer pessoa que lote a plateia e tenha um bom guarda-roupa. Quando precisamos da expressão para falar de uma verdadeira Grande Dama, é com dificuldade que o termo não soa clichê ou excessivo.

 

Nathalia Timberg é uma Grande Dama do teatro brasileiro. Não apenas por que é garantia de um público qualificado e sabe usar uma echarpe – ainda que o faça à perfeição. Ela faz jus ao termo pela excelência de sua arte e por sua elegância natural e indiscernível de seu cotidiano nos palcos e fora deles.

 

Por um desses acasos da vida, fui convidado por Graziella Moretto (outra forte candidata ao título, daqui um par de décadas) a dirigir uma sessão da tarde que viria a se chamar “A Graça da Vida”. Entre as muitas coisas lindas que me aconteceram durante essa peça, conhecer Nathalia está entre as que me são mais caras.

 

Já a admirava desde sempre, e havíamos jantado juntos, uma vez, com Eduardo Tolentino, Brian Penido, Barbára Paz e o pessoal do Tapa. Mas a conversa não engrenara. Eu, tímido; ela, discreta. Não fosse o encontro profissional, talvez nunca nos conhecêssemos de verdade. Hoje, posso dizer, com alegria (e certo orgulho, por que não?), que somos amigos.

 

Na sala de ensaio, Nathalia se desnudou; conheci-a como ser humano. Disciplina, dedicação, entrega, despudor – não tivesse ela o descomunal talento que tem, só por suas qualidades como profissional já se destacaria. É a primeira a chegar no ensaio e a última a sair. Depois de ensaiar algumas cenas e fazer uma passada completa, atores e técnicos aproveitam a primeira deixa para irem embora o mais rápido possível. É da vida. Nathalia fica ali mais um pouco e ainda te pede para repensar uma marca ou uma intenção. É literalmente incansável. E, do alto de seus quase 80 anos, humilhava, diariamente, meus quase 50.

 

Dos ensaios à temporada e aos encontros, depois que a produção acabou, o carinho e admiração só aumentaram com os anos. E pude, então, perceber o quanto é raro o equilíbrio encontrado por Nathalia: sua elegância, dentro e fora dos palcos, não é apenas fruto de uma esmerada educação. É a ética e um genuíno amor ao teatro que fazem de Nathalia exemplo para todas as gerações – inclusive a sua, cheia de “damas”, cuja maior qualidade foi apenas ter sobrevivido ao tempo e às intempéries da vida no palco.

 

Formada duplamente, no Rio e em Paris, Nathalia é parte da real e diminuta elite com que conta o Brasil. Não a elite econômica (predadora), política (cafona e deletéria) ou intelectual (confusa e autoreferente). A verdadeira elite formada por aquelas poucas pessoas – inclusive alguns raríssimos capitalistas, políticos e intelectuais –, que vivem fiéis ao mesmo tempo a si mesmas e à comunidade a que pertencem, sem que haja nisso uma contradição. 

 

Por trás da severa máscara de mulher séria, pragmática e formal, Natália é uma grande atriz que não deixa sua fascinante personalidade se sobrepor às personagens. A sábia que ensina ao se predispor a aprender. A mulher sensual e bela que sabe usufruir da beleza inerente a cada idade – assim como aproveita os prazeres que a vida e o palco lhe oferecem com a mesma delicadeza e altivez com que suporta as dificuldades.    

 

Natália Timberg é, das Grandes Damas, a menos conhecida, e, por isso, talvez, a menos reconhecida. Sua elegância e inteligência a protegeram do deslumbramento e da tentação de deixar de ser aquilo que, basicamente, a fez uma grande atriz: uma grande mulher. 

 

 

Veja o verbete de Aimar Labaki e Nathalia Timberg na Teatropédia.

 

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