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José Celso Martinez Corrêa por Haroldo Costa Ferrari

Publicado em: 29/03/2012 |

“O amor é livre e grande demais para ser julgado por nós, pobre mortais…” Antônio Conselheiro proferia essas palavras, que eram cantadas em coro pelos sertanejos. Começo com uma música, justamente porque meu homenageado, geralmente, inicia uma entrevista ou palestra cantando, por que ele nunca cansa de repetir que “a alegria é a prova dos nove”.

 

Na semana em que comemoramos o Dia Mundial do Teatro, não é coincidência, também, ser comemorado seu aniversário de setenta e cinco anos, sendo que, mais de cinquenta deles entregues de corpo e alma (no caso dele, sem exagero!). Confundindo, misturando e antropofagiando sua história à história do teatro brasileiro. Eu costumava brincar, chamando-o de “Zé Nelson”, pois, uma vez, ele contou que Cacilda Becker, sempre que o encontrava, o chamava assim e quando ele a corrigia, ela dizia: “Zé Celso, Zé Nelson, nem sei…”.

 

A primeira vez que vi o Zé, foi assistindo, no Oficina, ao espetáculo “Ela”, de Jean Genet. Lembro-me, até hoje, da cena do papa, em que o Zé fazia, flutuando pela pista numa espécie de papa-móvel. Ao final do espetáculo, distribuía-se uma letra de música para o público, que seria cantada junto com o elenco em um próximo espetáculo da companhia: “Os Sertões”.

 

Passados cinco anos, em 2002, Simone Reis, Doutora em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília, que já havia trabalhado com o Zé em “Ham-let”, disse que ele estava montando um épico e precisava de atores e atrizes. E foi assim que minha história misturou-se à do Zé, misturada a do Oficina. O teatro é feito de encontros. E esse encontro foi determinante na minha vida. Foram cinco anos intensos de muito trabalho, muita entrega e dedicação física, emocional, intelectual, musical, social e política.

 

O mais impressionante em trabalhar e conviver com o Zé era sua criatividade e o seu incansável desejo (palavra que ele afirma ser indispensável ao artista) de realizar o que, para muitos, pode parecer impossível. Eu testemunhei muitos momentos durante a montagem de “Os Sertões”, principalmente nas duas primeiras partes (“A Terra” e “O Homem I”), para o qual não havia patrocínio suficiente. Mesmo assim, ele conseguiu manter os ensaios e o espetáculo com mais de cem profissionais envolvidos, sem um tostão. Ele convencia e contagiava a todos, afirmando que tudo seria resolvido se acreditássemos na força que o teatro tem e dá! Essa, sim, é a sua maior genialidade.

 

Em dezembro próximo, completará dez anos que “Os Sertões” estreou no Oficina e, quanto mais o tempo passa, mais razão o Zé tem.

 

Desejo, desejo, desejo que na semana de seu aniversário, ele não receba apenas essa singela homenagem, e sim uma verdadeira homenagem em vida, que o Ministério da Cultura, Funarte e afins resolvam, de uma vez por todas, a compra dos terrenos do em torno do Oficina para a construção do Teatro de Estádio e a Universidade Antropofágica, um verdadeiro patrimônio para benefício da cidade, do Estado e da nação. E, comparado às obras absurdas para a Copa do Mundo, não passaria de um “puxadinho”.

 

Fui aluno dessa universidade: cinco anos, nove espetáculos, diversos prêmios, excursões pelo Brasil e exterior. Tive a feliz oportunidade de aprender “in loco”, ao lado do Zé, muitas de suas referências: O museu e a casa de Stanislavski, em Moscou; Berliner Ensemble do Brecht, em Berlim; O Teatro de Epidauro e o Templo de Dionísio, na Grécia; vários lugares frequentados por Rimbaud, Genet e Artaud, em Paris. Em uma dessas viagens, o Zé cultivou uma barba imensa para fazer o Antônio Conselheiro. Aqui no Brasil, quando saia na rua, principalmente as crianças, gritavam para ele: Olha o Papai Noel! Ele ficava puto da vida. No exterior, aconteceu igual e, quando o tradutor falou que estavam o chamando de Papai Noel, ele saiu esbravejando: Que Papai Noel, eu sou Walt Withman!

 

Aproveito a deixa e deixo que o poeta americano defina este também “homem-orquestra”, chamado José Celso Martinez Corrêa:

 

“Eu e o meu não convencemos por argumentos, sorrisos, rimas. Convencemos pela nossa presença.

Ouve! Serei honesto contigo.

Não ofereço os velhos prêmios fáceis, ofereço os novos prêmios difíceis…”

 

 

Veja os verbetes de Haroldo Costa Ferrari e José Celso Martinez Corrêa na Teatropédia.

 

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