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Cinco apontamentos para um teatro crítico

Publicado em: 08/11/2013 |

* por Ivam Cabral, especial para o portal da SP Escola de Teatro

 

1 – Forma e conteúdo

Soluções prontas, formas estéticas prontas não devem existir para o teatro. Não podemos fabricar espetáculos em fôrmas pré-montadas. Devemos viver cada processo e, enquanto ele dura, desabrir nossas defesas e nos entregar a novas viagens estéticas, que desvendem recantos escondidos da nossa consciência e do nosso ser.

 

Arriscar em formas e conteúdos novos é obrigatório para o artista do teatro crítico, negando a estabilidade das fórmulas bem-sucedidas e procurando novos horizontes para a manifestação dos conteúdos latentes. Só assim o teatro se torna verdadeiramente uma experiência viva.

 

Forma como alteridade da Arte em relação à Sociedade. O campo da estética procura a diferença para se manter crítico. O teatro precisa das formas para que se encham com os conteúdos. Mas as formas, logo depois de usadas, devem ser totalmente abandonadas, para que o artista não comece a mofar dentro delas, para que as formas não se transformem em “marcas” a serem usadas nos “produtos culturais” dentro da indústria cultural. Formas limitam e libertam somente quando são destruídas e reconstruídas. Caso contrário, são a morte, pois transformam-se em mercadoria de troca.

 

Os conteúdos estão por todos os lados – basta observar. A si próprio, ao outro, ao vizinho, ao milionário, às manchetes dos jornais. Conteúdos e coisas a falar, temos muitos.

 

2 – Teatro não é só espetáculo

Mais do que o espetáculo, o teatro é um agente social transformador que, ao negar o sempre-igual-da-lógica-do-lucro da Sociedade Pós-Industrial, aponta novos rumos para a convivência social.

 

Teatro é um espaço real, vivo, atuando na dinâmica social; e suas consequências são evidentes no seu entorno. O teatro crítico deve se conscientizar dessa interferência direta que o teatro como atividade exerce em seu meio, revendo criticamente essa relação constantemente.

 

3 – Ser veloz

Ser veloz significa ser instantâneo, perceber o que se passa, refletir e reagir. Veloz na observação, na reflexão, na constatação, na resposta estética através do Teatro. Estar presente e acompanhar atentamente as implicações sociais.

 

Perceber a sociedade, o papel do artista na sociedade, o papel do teatro na sociedade, e fazer teatro para a sociedade, provocando-a, negando-a e reafirmando-a em novas dimensões. A condição humana é frágil e passível de crítica, nossa sociedade também o é. Por isso, o Teatro deve buscar responder a tudo isso com uma esperança indefinível no melhor do homem.

 

4 – A desalienação

Estar alienado significa não estar pleno em si. O trabalhador que não se reconhece no fruto de seu trabalho está alienado. E, portanto, não é pleno. A alienação está presente em quase todas as esferas da interpretação.

 

Atores vendem sua força de trabalho a agências de publicidade, produtoras de casting e redes de televisão como os trabalhadores vendem sua força de trabalho no mercado de trabalho. Ainda acabam por vender produtos e serviços como vendedores de balcão, emprestando sua imagem de artistas ao jogo do mercado. 

 

Nesse processo, eles alienam sua aura de artista para um Mercado voraz e abandonam a dimensão mítica do Teatro enquanto local do encontro pleno da humanidade com seus fantasmas.

 

O teatro deve ser o lugar da desalienação. Libertar as amarras que nos encaixam em padrões sociais e que nos limitam a rótulos baratos. Somos uma multiplicidade de desejos e temores. O teatro precisa buscar colocar todos no palco. Para que homens e mulheres possam se resgatar a si próprios. 

 

Essa luta não é pequena e nem é possível vencê-la. Mas se este paradigma morre, nada fica em seu lugar, apenas a defesa do Sempre-Igual.

 

5 – Processo de trabalho

O processo de trabalho será tão desalienante quanto o resultado deve ser libertador. Como realizar um processo autoritário no teatro buscando a Liberdade da Humanidade? Essa incoerência se revela no resultado da obra e está implícita na sua (im) potência de transformação social.

 

Por ser uma arte coletiva, o teatro implica num acordo de todos os artistas envolvidos em seu processo, em que todos se sintam possuidores de uma alma artista que, de uma forma ou de outra, se manifesta claramente na obra final. Nenhum artista é livre no palco se não se sentir livre para fazer as opções estéticas em seu processo.

 

*A coluna de Ivam Cabral é publicada às sextas-feiras. Clique aqui para ler outras colunas.