SP Escola de Teatro

Bravíssimo | Tony Ramos por Tania Carvalho

Introdução do livro “No tempo da delicadeza”, de Tania Carvalho, para a Coleção Aplauso (Leia a obra na íntegra)

 

Todas as vezes que saí da casa de Tony Ramos, me vi cantarolando uma música de Chico Buarque, em parceria com Cristóvão Bastos: Todo Sentimento. Que coisa estranha! E assim foram todos os dias, em janeiro, fevereiro, março e abril de 2005, em que nos encontrávamos em seu apartamento no Leblon, pelo menos uma vez por semana. Intrigada, prestei bastante atenção nas palavras do poeta. E lá estava a chave. Chico fala de um tal “tempo da delicadeza”. É neste que Tony Ramos vive constantemente: educado, carinhoso, preocupado, ético, amigo, cidadão, tem bastante claro que a vida é, antes de tudo, simples e que é preciso vivê-la com ternura e delicadeza. E ainda outro verso define com precisão a sua relação com Lidiane, com quem está casado há 36 anos: “apenas seguirei, como encantado, ao lado teu”. Ela é a sua companheira, amante, amiga, “a mulher da minha vida” e está presente em todos os capítulos deste livro, pois em todos os momentos ela é fundamental. 

 

Tony gosta de falar e usa palavras sem medo. Devorador de livros desde a infância, tem extenso vocabulário, que utiliza com precisão. “Não gosto de dizer que tenho orgulho, mas sim que estou feliz. Não suporto também quando me perguntam se me sinto desafiado por um personagem. Parece que vou fazer o rally Paris-Dakar. Não me sinto desafiado, mas sim, estimulado. As palavras existem para serem usadas corretamente.” Pouco conjuga os verbos no passado. Como se ele se misturasse com o momento atual, pois está sempre em suas recordações, o que passou é lembrado com o verbo no tempo presente. Além disso, não espere um relato simplesmente cronológico da vida e da carreira. Tony pontua o seu depoimento com opiniões fortes sobre o mundo e si mesmo. Embora no começo temesse parecer um “ditador de regras” ou “rempli de soi-même”, aos poucos foi-se habituando a se expor, coisa difícil para quem preza tanto a discrição e que estabeleceu há muito tempo cercas em volta da sua privacidade.

 

Amante da matemática, por vezes, Tony usa exemplos da aritmética, da regra de três, da teoria das probabilidades para resumir fatos da vida. “Viver é simples, resolver a equação demanda raciocínio” – é uma frase, por exemplo, que encerra uma de nossas entrevistas. E dá o que pensar. Como tudo o que Tony diz, porque procedente. Suas opiniões são fortes e absolutamente antenadas com o momento atual, atento que é a respeito de tudo que acontece no mundo – não é à toa que lê cinco jornais por dia.

 

Paranaense de nascimento, paulista porque foi lá que se criou e carioca por adoção – pois é no Rio de Janeiro que se estabeleceu há vinte e oito anos, quando começou a trabalhar na TV Globo – Tony Ramos é ator desde a infância, quando imitava Fernandel, Jerry Lewis e, especialmente, o comediante que mais adorava, Oscarito. Aos 14 anos entrou na televisão. E pouco a pouco foi galgando seu espaço, tornando-se o herói romântico preferido do Brasil, aquele ser idealizado que toda mãe sonhava casar com a sua filha. Como ele conta, porém, desde o início começou dando pistas para o público que não era exatamente como pensava, tão herói assim. Por isso mesmo, assumiu papéis fortes tanto no teatro – Quando As Máquinas Param e Rapazes da Banda são dois bons exemplos – quanto na televisão, como o Riobaldo de Grande Sertão: Veredas, o José Clementino de Torre de Babel e, bem recentemente o Coronel Boanerges de Cabocla. “A partir dele, posso fazer qualquer coisa na televisão.”

 

Com 41 anos de carreira, 56 anos de idade, Tony passa incólume pelo deslumbramento. Sabe quem é, o que deseja da vida e, antes de tudo, o que definitivamente detesta: soberba, falta de ética, fofoca. Quer fazer o seu trabalho bem, assim como quer voltar calmamente para a casa todos os dias, deixando o personagem bem longe, ler seus jornais, fazer a sua esteira, conversar com Lidiane, ver alguns filmes, enfim, “ter uma vida absolutamente normal, igual a todo mundo”.

 

Reconhecido por seus pares por ser um grande e bem-humorado companheiro de trabalho, aquele que tem a piada certa para desanuviar a tensão da espera pelas gravações; querido pelo público que o elegeu galã há muitos anos, apesar do seu nariz adunco, sua estatura normal, a barriguinha, às vezes, proeminente; elogiado pelos jornalistas, que por ele são sempre bem-recebidos, desde que não tentem invadir a sua privacidade – e eles nem tentam, dado o respeito que sentem pelo ator; premiado tantas vezes pelos críticos, Tony Ramos é um homem admirável – embora vá fazer cara feia para esta frase – e ouvir o seu depoimento para este livro foi, mais do que um prazer, uma incrível honra.

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