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Antonio Petrin por Orlando Margarido

Publicado em: 20/06/2013 |

*Apresentação do livro “Antonio Petrin – ser ator”, da Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, lançado em 2010 (para ler a obra, na íntegra, clique aqui)

Como para muitos brasileiros, a figura de Antonio Petrin me foi melhor delineada pelo seu personagem talvez mais célebre, o vilão Tenório, de “Pantanal”, no início dos anos 1990. Sua presença na novela gerou uma dupla surpresa, porque, já atuante como jornalista para um diário paulistano, eu havia feito a cobertura de lançamento, e o nome do ator não constava do elenco. Sabemos agora, por esse depoimento, que sua entrada no folhetim pantaneiro de Benedito Ruy Barbosa, dirigido por Jayme Monjardim e equipe, foi de supetão, como substituto de um colega. O outro fato inesperado se deu quando, pouco tempo depois, ao me transferir para um jornal da região do Grande ABC, vizinha a São Paulo, surgiu a oportunidade de entrevistar o intérprete. Petrin estava no auge do ibope com suas maldades na Rede Manchete. Morador de Santo André (o A do ABC) desde criança, ele merecia, portanto, uma entrevista ou um perfil, como se diz no jargão jornalístico.

E lá fomos, repórter e fotógrafo, bater à residência de classe média do bairro Parque das Nações, onde o ator e diretor havia vivenciado uma infância de brincadeiras de rua e, principalmente, o encontro com o teatro na paróquia local. Sempre simpático, mas cioso de que por trás da fama súbita e passageira da audiência televisiva existia uma longa carreira no palco a ser preservada, ele se mostrou reticente em comentar o sucesso na teledramaturgia. “Há um passado e um presente no teatro de que prefiro falar”, avisou logo de cara. Até então, eu havia visto talvez uma ou duas atuações dele no palco, em textos cômicos populares, seguramente em “Sigilo bancário”. Mas na entrevista que se seguiu me aprofundei na sua história pessoal e na trajetória de um dos grupos mais influentes do teatro paulista, o andreense Grupo do Teatro da Cidade (GTC), do qual Petrin foi um dos fundadores sob os auspícios da professora Heleny Guariba.

Duas décadas depois, o profissional Petrin já é um velho conhecido de tantas peças e novelas. A ponto de eu propor uma longa conversa sobre sua vida e carreira e que ganha forma agora nesta publicação da Coleção Aplauso. No tempo decorrido de “Pantanal” para cá, nos perdemos de vista, cada um seguindo seus caminhos profissionais. Mas em várias ocasiões pude revê-lo no palco e nas telas – inclusive do cinema, veículo no qual ele aumentou suas participações, na medida em que a própria produção brasileira foi retomada.

Sua preferência, como se pode constatar no depoimento, é pelo teatro, universo em que se fez e para o qual até hoje reserva maior energia criativa. Sobre a televisão, acha o processo exigente, maçante e guarda uma mágoa a respeito do tratamento recebido pelas emissoras. Mas sabe que deve a alguns personagens, como o pai no seriado de sucesso “Malu Mulher”, o reconhecimento de uma determinada fatia de público. Quanto ao cinema, diz não entender muito bem como se processam as relações profissionais. Ao aceitar um convite, vai para o set e cumpre sua tarefa.

Talvez por isso, Petrin tenha escolhido para o livro o título direto e de duplo sentido Ser ator, que corresponde à sua ideia de aliar vocação ao trabalho dedicado e persistente, como um operário ao construir cuidadosamente seu objeto.

Foi com essa impressão que saí da última das seis reuniões que fizemos ao longo de quase um ano, enquanto ele fazia jornada dupla entre novela e um monólogo. Eram sempre encontros agradáveis, pontuados pelo chá das cinco que sua mulher, Rosália, a Rosinha, também atriz e companheira de toda a vida, nos preparava. Curioso que no testemunho da atriz Sônia Guedes a este mesmo projeto, o ritual da bebida também está presente. Sônia é a grande parceira de trajetória artística de Petrin. Como ele, criou-se em Santo André, formou-se na Escola de Arte Dramática da USP e integrou o GTC com o marido, Annibal Guedes. Mais tarde, com outros dois amigos, a dupla de companheiros fundou a própria produtora teatral, a Proa. Depois do período do grupo andreense, fizeram juntos oito espetáculos, entre eles o antológico “Rasga Coração”, de Oduvaldo Vianna Filho. Também projetos de televisão, como “Malu Mulher”, minissérie renovadora na linguagem.

Assim como fala da afinidade com a atriz, Petrin relembra com respeito nomes influentes em sua formação, de Heleny Guariba e Paulo Pontes aos diretores Flávio Rangel e Celso Nunes. Mas é especialmente generoso e crítico com a nova geração de diretores que passou a procurá-lo na segunda metade dos anos 1990: nomes como Márcio Aurélio, Sérgio Ferrara e Marco Antonio Braz. Faz papéis variados no palco, diferentemente do cinema e da televisão, que, acredita, o estigmatiza às vezes como vilão – marca adquirida com “Pantanal” – às vezes na figura de um malandro, por exemplo. Nem sempre considerou suas escolhas acertadas e, não raro, se desentendeu com o diretor ou o tom por ele determinado em um espetáculo.

Considera-se um profissional pouco flexível nesse embate e sempre procurou discutir suas discordâncias. Isso, nos limites de um palco. No cotidiano, Petrin tem aquele apelo boa-praça que facilita a aproximação para se ouvir boas histórias. Nem de longe denota a falsa pretensão e a vaidade muitas vezes costumeiras da classe artística. Quem sabe pela origem humilde, pelo aprendizado paulatino de quem foi ressabiado para as aulas do doutor Alfredo Mesquita e seus colegas de referência no ensino teatral da EAD.

Desenhista por determinação inicial e sobrevivência, ele não tinha como certo o talento para a interpretação. Contribuíram para o caminho a prática do teatro amador e o apoio de Rosinha, que se manteve em empregos tradicionais enquanto o marido testava as oportunidades no palco. Era o período de algum aperto na família, que já contava com os dois filhos do casal, hoje uma dona de casa e um arquiteto residente na Dinamarca. Mas também de experiências enriquecedoras, a exemplo das aulas de Petrin no Serviço de Ensino Vocacional, experiência pioneira de educação surgida nos anos 1960. Embora nunca tenha se engajado politicamente de modo mais agressivo ou se vinculado a algum partido, realizava frequentes incursões com companheiros da classe a teatros, onde liam manifestos contra a repressão do período. Do passado, guarda apenas uma passagem que o aborrece até hoje: um acidente de um carro conduzido por ele e que matou um profissional amigo.

Descanso, férias, viagens, exceto uma ou outra determinada pelos reencontros familiares, nunca fizeram parte do script de sua trajetória. “Só sei trabalhar”, diz, rindo. Como não transferiu sua vocação para os filhos, torce agora para que a neta e novata atriz Isadora dê continuidade ao gosto artístico da família. Ela segue o exemplo mais distante, vindo de Guilherme Petrin, pai do ator, que caminhava quilômetros para levar o filho a peças de teatro amador ou ouvir cantores líricos da Itália no rádio de uma tia já privilegiada pela luz elétrica. Mantêm-se, assim, dois vínculos familiares importantes: o da origem italiana dos avós emigrados e o da ascendência da arte sobre o clã.