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A Volta por Cima

Publicado em: 21/06/2011 |

Brenda Oliver foi o nome escolhido para dar início a uma nova vida e encerrar uma etapa de sofrimento e indecisão. Hoje, seu sorriso alegre e atitude cordial substituem os traços que um dia refletiram uma longa e árdua trajetória. Ao vê-la sentada na recepção da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, nem o ser humano dotado do mais clarividente olhar poderia imaginar o que a fez chegar até aqui.

 

Aos 11 anos de idade, Brenda começava a ajudar seu tio em uma banca de frutas e legumes e, durante o período vespertino, ia à escola. À procura de novas oportunidades de emprego, saiu da casa dos pais aos 18 anos e conseguiu um trabalho na Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza.

 

Brenda se sentia cada dia mais confusa em relação a seu sexo. Durante essa experiência profissional, que durou três anos, sentiu crescer dentro de si uma inquietude que lhe dizia que o certo era deixar de lado o que os outros pensavam e seguir seus instintos.

 

“Eu era diferente dos demais garotos. Usava o cabelo comprido, vestia roupas  e tinha um jeito mais afeminado. Mas os meus patrões não conseguiam lidar com isso e, por mais que tentassem disfarçar, eu percebia que eles se incomodavam”, lembra.

 

Assim que deixou o emprego, veio para São Paulo. Começava então uma das piores passagens da vida da recepcionista. “Viajei com o intuito de me prostituir. Passei por várias experiências desagradáveis e posso dizer: não valeu a pena.”

 

Em 2004, Manaus seria o próximo destino de Brenda. Na capital amazonense trabalhou como auxiliar de serviços gerais em uma escola particular. Simultaneamente, fazia curso de cabeleireiro, atividade à qual passou a se dedicar a partir de então.

 

Já há 10 anos morando longe dos pais, decidiu retornar e abrir um pequeno salão de beleza. Mas a estadia não duraria muito. São Paulo a chamava. “Não conseguia mais me acostumar com aquele ritmo de cidadezinha interiorana, precisava voltar à cidade grande.”

 

Na terra da garoa e sem emprego, Brenda entrou em contato com a ONG Centro de Referência das Diversidades (CRD), que a orientou a procurar o Centro de Combate à Homofobia, no centro da cidade, onde foi encaminhada à Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual (Cads).

 

No Cads, Brenda se tornou bolsista do Programa Operação Trabalho (POT), por meio do qual realizou uma série de cursos e foi indicada para trabalhar na SP Escola de Teatro. 

 

Há cerca de quatro meses na recepção da Escola, Brenda afirma se sentir muito satisfeita. “Me identifico muito com o mundo das artes, tem tudo a ver comigo. Aqui, vejo que tenho muitas chances de me redescobrir e, ao mesmo tempo, me aprofundar no teatro” revela, empolgada.

 

A vocação artística da recepcionista foi atração em um Território Livre promovido pela Escola, no qual apresentou duas interpretações, uma da cantora árabe Dalida e outra da mexicana Thalía. O evento contou ainda com uma homenagem dela a Ivam Cabral, diretor executivo da SP Escola de Teatro. “Adoro atuar! Ainda mais em interpretações performáticas”, observa.

 

A recepcionista, que já participou de trabalhos voluntários religiosos com crianças e adolescentes, avisa que se tiver a oportunidade de trabalhar em prol de causas LGBT, vai lutar pelos direitos de cada uma delas. 

 

“Existe um ditado popular que diz que a educação vem de casa. Mas me parece que não o estamos aplicando. É por essa razão que acredito que as ações sociais e políticas se encaixam nesse padrão, principalmente dentro das escolas e universidades”, observa.

 

Ainda que tenha conseguido dar uma reviravolta em sua vida, Brenda planeja muito mais. Dentre seus principais objetivos estão: se formar em Psicologia, fazer cirurgia de mudança de sexo, comprar uma casa própria, trazer a mãe para morar com ela e adotar uma menininha, que se chamará Lindalva em homenagem, à sua mãe.

 

Mas Brenda não sonha apenas com conquistas pessoais. “Gostaria que no mundo houvesse mais harmonia entre as pessoas, que existisse nele paz, amor, sinceridade e, o mais importante de tudo isso, que Deus, nossa maior riqueza, estivesse sempre no comando de nossas vidas.” 

 

Enquanto corre atrás de tudo isso, Brenda revela a solução que encontrou para se desligar do que considera o maior preconceito que existe em relação às transexuais.  “Eu sempre falo que o maior dos preconceitos está em nosso próprio meio, por conta da rivalidade. E um dos fatores que contribui para isso é a questão da boa aparência de umas, o que desperta um sentimento de ira em outras que não tiveram essa mesma sorte. Assim, procuro sempre manter a discrição e ignorar essa atitude medíocre.”

 

Essa matéria faz parte do Especial Semana da Diversidade da SP Escola de TeatroConfira as outras matérias e sessões: a entrevista com o escritor Carlos Hee; o Ponto sobre Oscar Wilde e sua obra “De Profundis”; e a história das recepcionistas Flávia e Laura e da secretária Janaína. Também um texto de Raquel Rocha, o Indica com Célia Forte e a matéria sobre a Parada Gay.

 

 

Texto: Felipe Del