EN | ES

A praça dos skatistas

Publicado em: 15/08/2014 |

* por Ivam Cabral, especial para o portal da SP Escola de Teatro

 

Tenho falado bastante por aqui sobre a Praça Roosevelt. E não é por menos: este foi o espaço que escolhi para me apropriar – e que se apropriou de mim ao longo dos últimos 14 anos, desde que nós, dos Satyros, chegamos aqui, acompanhados de vários outros grupos, como o Parlapatões.

 

Falei, na última coluna, sobre o histórico da Praça, que de espaço da arte, nos anos 1960, sofreu com uma decadência sem precedentes e transformou-se, gradualmente, num espaço do crime, da escuridão, do abandono. A lamentável situação atingiu seu ápice nos anos 1990. Nós, artistas, aqui chegamos em 2000 e a encontramos assim. Munidos de arte e sonhos, conseguimos ajudar a recuperar a área e o resultado dessa história é algo que sempre me emociona.

 

Reconhecemos nossa importância para essa revitalização, sem dúvidas. Entretanto, não podemos, sob nenhuma justificativa, esquecer de um grupo que nunca abandonou a Praça. E não estou falando de grupo de teatro. Estou falando dos skatistas.

 

Eles começaram a adotar o espaço ainda na década de 1980, quando a degradação começava a dominar o ambiente. Nessa época, a população, em geral, rejeitava a área que passou a ganhar cada vez mais popularidade entre os skatistas. Ídolos dessa tribo urbana despontaram nesse contexto, como Beto Or Die, conhecido como “Rei da Roosevelt”, e Rui Muleque.

 

Como eles, milhares de jovens passaram a frequentar a Praça para praticar o esporte e trocar ideias com seus pares. Essa presença continuou fortíssima nos anos 1990, passando por cima de todas as adversidades do espaço. E, vejam só: foi ali que Rodrigo Teixeira, um dos mais reconhecidos skatistas do mundo, começou uma trajetória que se expandiria até para fora do Brasil. Ele morava em um prédio da região e, vendo seus heróis voando sobre o concreto, decidiu seguir o mesmo caminho.

 

Ou seja, antes mesmo de pensarmos em chegar aqui, já tinha garoto fazendo história no esporte. O que me leva a questionar: e se os skatistas não tivessem se apropriado desse território? No que a Praça teria se transformado sem o barulho da madeira batendo no chão, sem as marcas das rodas no piso, sem as figuras pairando no ar em manobras inacreditáveis?

 

Quando começamos nossas atividades aqui, em 2000, só os skatistas tinham sobrevivido à degradação da Praça. E foram, ao longo de muitos e muitos anos, seus fiéis guardiões. Eles preenchiam com vida a Praça absolutamente todos os dias, de manhã até de noite, sem tréguas. Fizeram deste espaço cinzento sua casa. Por isso, a presença desse grupo deve ser respeitada e reconhecida, pois é legítima, muito legítima. E não há nada que possa mudar isso, pois, graças a eles, há três décadas a Praça tem ao menos uma centelha de vida.