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Pós-Modernidade: Tudo se Relativiza

Publicado em: 01/03/2013 |

A pós-modernidade gerou um grande debate em torno de si. Em primeiro lugar, a denominação de pós-moderno foi encarada como um estilo, em geral na arquitetura, principalmente em função das profundas transformações estilísticas sofridas por ela como contraponto ao Estilo Internacional, que foi o estilo dominante da arquitetura moderna.

Nesse sentido, o termo “pós-moderno” fixou-se em uma série de recursos formais específicos da arquitetura, que surgiram em manifestações variadas, em especial nos Estados Unidos, França, Espanha e Itália: o retorno ao antigo, a assimilação ao meio, a utilização de uma gama variada de materiais.

Outra forma de leitura da pós-modernidade foi a explosão das grandes narrativas e a incorporação da fragmentação. Essa noção foi basicamente apresentada por Lyotard e observada no nouveau roman e na filosofia pós-estruturalista francesa. Finalmente, e é esta a definição do termo que mais se aproxima do trabalho que pretendo desenvolver, a pós-modernidade foi caracterizada, em especial por Jameson e os marxistas contemporâneos, como o momento cultural e social que surge com o advento do capitalismo pós-industrial.

O termo pós-modernidade propriamente dito refere-se não a uma quebra, mas a uma nova etapa, uma superação da etapa anterior, o modernismo. O Iluminismo surge como expressão espiritual do conceito do capitalismo comercial e somente dentro dessa condição histórica seu surgimento seria possível. Até os dias de hoje, somos marcados pelos valores do Iluminismo, mesmo que em seus aspectos regressivos, como bem notaram Adorno e Horkheimer em seus estudos, especialmente em “Conceito de Iluminismo”:

A lógica formal foi a grande escola de uniformização. Ela ofereceu aos iluministas o esquema da calculabilidade do mundo. (…) A sociedade burguesa é dominada pelo equivalente. Ela torna comparáveis as coisas que não têm denominador comum, quando as reduz a grandezas abstratas. O que não pode se desvanecer em números, e, em última análise, numa unidade, reduz-se, para o iluminismo, à aparência e é desterrado, pelo positivismo moderno, para o domínio da poesia. [1]

Os ideais da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) transformaram-se em equivalência racionalista e acabaram sendo os principais paradigmas daquilo que se costumou chamar Modernidade.

A Modernidade está intimamente ligada ao advento do capitalismo industrial e a manutenção das utopias da inexorabilidade do progresso científico e humano, seja por meio dos paradigmas capitalistas (de “direita”) ou socialistas (de “esquerda”). A questão das utopias marcou definitivamente a produção intelectual e artística do período. O teatro brechtiano tornou-se um dos eixos centrais da discussão da modernidade no teatro, dentro desse universo socioeconômico e simbólico.

A pós-modernidade seria, portanto, o momento em que o capitalismo globalizante atingiria profundamente todas as dimensões de ação social, do nascimento à morte do indivíduo. Se, do ponto de vista da produção, o capitalismo torna-se ainda mais tecnológico e globalizante, do ponto de vista do indivíduo este se torna cada vez menos cidadão com projetos de sociedade para ser apenas um consumidor.

A pós-modernidade representa não a quebra dos conceitos e da forma de organização social presentes no capitalismo comercial dos países ocidentais, mas o natural desenvolvimento das forças produtivas dentro do capitalismo pós-industrial e a nova configuração da superestrutura.

Por outro lado, ao destruírem-se as utopias, e a queda do muro de Berlim pode ser considerada o símbolo máximo desse processo, os conceitos de esquerda e direita confundem-se, fazendo com que políticos de espectros ideológicos aparentemente opostos se aproximem na práxis política.

Outro aspecto fundamental desse momento histórico é a fragmentação dos discursos, como nota Lyotard. Sem um discurso fechado e absoluto, tudo se relativiza e o cidadão acaba sendo bombardeado com fragmentos que atingem a sensorialidade, mais do que propriamente o discurso racional.

A questão da identidade torna-se absolutamente crítica nesse universo desterritorializado. Se não temos condições de estabelecer um grande discurso único sobre o mundo em que vivemos, o discurso individual e relativo acaba se fortalecendo. Logicamente, o discurso individual não se encontra fora da estrutura social dentro da qual emergiu, mas ele já não se arroga o direito da exclusividade da Verdade.

[1] Max Horkheimer, em parceria com Theodor W. Adorno, “Conceito de Iluminismo”, incoleção Os Pensadores, Horkheimer –
Adorno, São Paulo, Editora Nova Cultural, 1989, p. 6.

 

por Ivam Cabral, especial para o portal da SP Escola de Teatro