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O mundo na SP

Publicado em: 02/10/2017 |

Eu passei quase toda a década de 1990 fora do Brasil. Saí em 1992 e só retornei, definitivamente, em 1999. Neste período, trabalhei alucinadamente entre vários países europeus e no Brasil também. Chegou um momento em que o Satyros tinha sedes em Lisboa, Berlim e Curitiba.

Quando penso em minha trajetória, costumo chamar essa fase de “heróica”. Sim, só Deus sabe o que vivemos. Desde dormir em barracas até trabalhar ilegalmente pelas ruas de Londres, por exemplo, e ter que correr da polícia. (Sim, não é só em São Paulo que os artistas de rua sofrem…).

Por outro lado, tenho muito o que agradecer aos deuses do teatro. Trabalhei em vários continentes e em mais de 30 países.
Das coisas inacreditáveis que aconteceram em minha carreira, talvez a mais espantosa foi ter trabalhado com Steven Severin, da banda inglesa Siouxsie and the Banshees, entre 1994 e 1997, que concebeu a trilha de nosso espetáculo “Maldoror”. Aqui, a prova do crime, rs.

A banda Siouxsie and the Banshees estava, naquele momento, no auge. E nós, Satyros, frequentávamos os camarins e baladas com, ninguém menos, que Siouxsie, a mulher mais incrível que podíamos conhecer naqueles tempos.

Mas, nessa época, a Europa era muito, muito distante do Brasil. Me lembro que comprávamos os jornais brasileiros em Londres ou Berlim, dois dias depois que eram editados. Tudo era muito distante.

Com o advento e a expansão da internet, dentre outros fatores socioeconômicos, inseridos na ideia de globalização, tais fronteiras foram destruídas (ou amenizadas, pelo menos) e hoje, travar contato com o exterior é imprescindível para compreendermos o mundo em que vivemos.

Aqui na SP Escola de Teatro, acreditamos piamente nisso. E desde o início procuramos nos manter conectados com o mundo inteiro, descobrindo nesse processo que há muito em comum entre o teatro brasileiro e o português, por exemplo. E também há muitas diferenças, singularidades que tornam a arte uma ferramenta tão poderosa e transformadora.

É por isso que concretizamos tantos intercâmbios com uma série de países, pensando tanto na ida de nossos aprendizes e formadores quanto na vinda de artistas que possam contribuir para nossos estudos. Em relação a esse segundo item, recebemos, recentemente, vários artistas estrangeiros que ministraram aulas e conheceram nosso sistema pedagógico.

Um deles é Eliot Shrimpton, ator e professor britânico da conceituada Guildhall School of Music & Drama, de Londres. Para se ter uma pequenina ideia de qual escola estamos falando, pelas “mãos” da Guildhall passou uma lista de atores mundialmente reconhecidos, como Dominic West, Ewan McGregor, Joseph Fiennes, Orlando Bloom e Michelle Dockery. Pouca coisa, não?

Eliot veio para ministrar o curso de Extensão Cultural “Atuação na cena: preparação do ator”, que, como todas as atividades oferecidas pela Escola, era gratuito. Ou seja, o cara incrível que ensinou seu método a atores desse calibre esteve conosco e passou seus conhecimentos a estudantes daqui, que não tiveram que pagar nada por isso. Escambo artístico riquíssimo e saudável.

Como prova de que só trabalhamos com os melhores em suas áreas, também trouxemos, recentemente, o italiano Enrico Bonavera, seguramente um dos maiores expoentes do mundo na Commedia Dell’Arte e ator no renomado Piccolo Teatro de Milão desde 1987. Ele ministrou na Escola um curso também gratuito sobre esse tradicional – e sempre atual – gênero.

Comemorando os 450 anos do maior dramaturgo da história, promovemos o Fórum Shakespeare 2014, oferecendo ao público seminários gratuitos com o professor Jonothan Neelands, da Warwick Universty (Reino Unido), que é reconhecido internacionalmente como criador de teatro e por sua experiência com workshops e treinamento para profissionais de alto nível.

Coco Fusco, consagrada artista cubana radicada nos EUA, também esteve aqui. Ela ministrou uma palestra gratuita e aberta ao público, na abertura dos nossos “Encontros sobre performance”, que contaram com vários outros debates discutindo a área.

Até Mia Couto, renomado escritor moçambicano que em 2013 foi homenageado com o Prémio Camões, passou um tempo com a gente, conhecendo nossas sedes e adentrando nosso universo pedagógico. Uma honra que carregarei comigo pelo resto da vida.

Nossa programação de cursos de circo também teve convidados internacionais: dois workshops gratuitos com a Cia. Flip Fabrique, do Canadá: um de Diabolô, com Jeremie Arsenault e Bruno Gagnon; outro de Lira e Hula Hoop, com Jade Dussault.

Para fazer um som antenado e instigante, tivemos Eva Sidén e de Jens Hedman – o duo Sidén-Hedman –, que apresentou um concerto com obras eletroacústicas, difundidas em sistema surround 5.1. Foi a primeira apresentação de Eva no Brasil, um momento super bacana.
Como se não bastasse, hoje mesmo, dia 19 de setembro, nos reunimos com Jo Clifford, dramaturga, performer, jornalista, radialista e professora escocesa. Ela, que está no Brasil como convidada do Núcleo de Dramaturgia Sesi-British Council, veio para um encontro com o cartunista Laerte Coutinho e nossas recepcionistas, sobre o movimento LGBTS.

Além de grande artista, Jo Clifford é ninguém mais, ninguém menos que a primeira dramaturga assumidamente transgênero a ter uma peça encenada no West End (circuito comercial) de Londres, um feito definitivamente memorável.

Agora, depois de tudo isso (registrei aqui apenas os convidados mais recentes), estaria eu enganado se dissesse que temos o mundo dentro da SP Escola de Teatro? Ou que a Escola é pluricultural e totalmente aberta à diversidade, em todos seus significados? Creio que não. E vou dizer mais: esses encontros são tão, mas tão gostosos, que tenho a impressão de que não vamos parar de realizá-los tão cedo…