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Meyerhold que Defendeu a Teatralidade e a Estilização

Publicado em: 02/10/2017 |

Para Meyerhold, tanto o encenador quanto o ator não são meros executantes automáticos de uma obra dramática. Antes, serão criadores e organizadores do espetáculo, em toda a sua multiplicidade. Para ele, o público será cúmplice do fenômeno teatral. E prioriza a relação do intérprete com o público através de jogos que possam revelar e intensificar os traços de ambos. Em seu teatro, nada é ilustrativo. Antes, um jogo vivo e único: O Teatro nunca procura ilustrar seja o que for.

Como toda arte, ele basta a si próprio.
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Defendeu a teatralidade e a estilização e propôs uma dialética de opostos: a farsa contra a tragédia e a forma contra o conteúdo, de modo a forçar o espectador a encontrar uma visão mais apurada da realidade e vivenciar o teatro de forma renovada. Em seu livro “A Linguagem da Encenação Teatral”, Jean-Jacques Roubine irá afirmar que Meyerhold “e seu impulso contribuiu para que o palco se tornasse uma área de atuação construída e equipada de tal modo que todos os recursos de uma teatralidade pura possam se desencadear ali.”
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Em 1905, Stanislavski vivia um momento crítico. Se por um lado gozava de respeito e prestígio por ter encenado as famosas produções de Tchékhov e Gorki, por outro era alvo fácil dos simbolistas que o consideravam ultrapassado. Até esse momento, não havia desenvolvido nenhuma teoria significativa sobre seu método de trabalho. Convida, então, Meyerhold para dirigir mais uma vez seu estúdio.

Meyerhold traz para o Teatro de Arte algumas das questões que o haviam motivado a deixar a companhia anos antes; nomeadamente, sua aversão ao teatro naturalista e ao realismo psicológico. Mais uma vez, Stanislavski e Meyerhold irão se desentender artisticamente e o projeto de desenvolverem novamente um trabalho em conjunto é desfeito.

Apesar de Meyerhold e Stanislavski serem tratados como opostos teatrais – um preocupado com a teatralidade; outro, com o realismo –, o fato é que os dois se admiravam e respeitavam mutuamente. Meyerhold foi sempre um crítico e admirador persistente do Teatro de Arte e declarou certa vez: “Serei sempre um aluno de Stanislavski.” Stanislavski, em outra ocasião, o chamou de “filho pródigo”. De fato, os dois viviam uma relação de respeito e admiração profunda.

Desde sempre inquieto, Meyerhold, a partir de 1924, começa a divergir do percurso tomado pelo Partido Comunista Soviético, que exige que o teatro desempenhe uma proposta ideológica na construção do socialismo, com obras que reflitam o cotidiano, conceito básico do realismo socialista.

Com a montagem de “O Inspetor Geral”, em 1926, Meyerhold irá atingir o auge e também prenunciar o fim de sua brilhante carreira.

Foi perseguido pela crítica oficial, pela classe teatral e por toda uma geração de artistas. Isolado e solitário, passou a fazer frente ao período mais sombrio do stalinismo. Sua reputação, no entanto, não é de todo abalada. Em 1935, Stanislavski irá dizer: “O único encenador que conheço é Meyerhold”.

Sempre contestadora, a carreira de Meyerhold é ameaçada quando, em 1938, seu teatro é fechado por decreto, com a justificativa de que ali havia “difamações hostis contra o estilo de vida soviético”. Stanislavski irá surpreender a todos convidando Meyerhold a trabalhar com ele no novo Teatro Ópera Stanislavski. Era uma decisão valente oferecer proteção a alguém que caíra em desgraça diante do sistema. Mas Stanislavski sabia o que estava fazendo e, aceitando as responsabilidades de sua decisão, alegou: “Precisamos de Meyerhold no teatro. Ele é meu único herdeiro”.

Stanislavski morreu em agosto de 1938, aos 75 anos, e foi enterrado ao lado de Tchékhov. Meyerhold morreu em fevereiro de 1940, tinha 66 anos e foi fuzilado pelas tropas do regime de Stálin, na prisão. Fora detido algum tempo antes, após o Congresso Geral dos Diretores Teatrais, por ter se negado à manifestação pública de submissão e retratação artística. Zinaída Raikh, sua mulher e também primeira atriz de sua companhia, foi encontrada morta em seu apartamento, pouco tempo depois da prisão de Meyerhold.

(1) Vzévolod Meyerhold, “O Teatro Teatral”, Lisboa, Arcádia, 1980, p. 31, p. 118.

(2) Jean-Jacques Roubine, “A Linguagem da Encenação Teatral”, Rio de Janeiro, Jorge Zahar

Editor, 1998, pp. 60-61.