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Corpo Instrumento

Publicado em: 21/06/2013 |

Já disse aqui que nossos corpos estão amortecidos, anestesiados pelo frenesi de uma sociedade que nos transforma em engrenagens consumistas. E, para nos livrarmos do devaneio narcísico da esculturação, na qual o corpo é simplesmente uma imagem do eu a ser exposta – e já que também tenho falado bastante em velocidade –, trago hoje uma pequena reflexão – ou proposta de exercício específico – para o ator. 

Sabemos que nossos gestos não são por nós descobertos. Eles são copiados e incorporados a partir dos gestos cotidianos sociais. Nossa voz é reduzida ao número de registros esperados, necessários ao nosso bom funcionamento. Uma proposta seria, por meio de exercícios de slow motion, buscarmos uma nova harmonia entre nossa voz, nosso corpo e o estado de espírito, através de formas inusitadas e absolutamente conscientes.

Parto da ideia de que há uma parte do nosso corpo que sustenta e encaminha a nossa condição física: a coluna vertebral. Não exatamente sua estrutura ou posição, mas, e sobretudo, seu tônus energético. Há vários estudos sobre este assunto. Mas é Eugenio Barba e Nicola Savarese, em “A Arte Secreta do Ator” (São Paulo-Campinas, Editora Hucitec e Editora da Unicamp, 1995) que, a meu ver, melhor exemplificam esta teoria.

Barba e Savarese irão dizer que “a qualidade do tônus muscular que determina a pré-expressividade está diretamente ligada à posição da coluna vertebral”.

Segundo eles, não importa aí nem o peso nem a força da inércia; sequer seus modos particulares e “a arquitetura de tensões que dilatam a presença do ator”. Irão afirmar que “toda técnica extraordinária é consequência de uma mudança do ponto de equilíbrio da técnica cotidiana. Esta mudança afeta a coluna vertebral, o tórax e, portanto, a maneira como a parte superior do corpo é estendida; a maneira como o quadril é mantido, isto é, o modo de se mover no espaço”.

Ora, se a partir desta afirmação podemos concluir que, encontrando uma postura modelar, o que nos falta é a ativação energética – propiciada pelo “modo de se mover no espaço” –, uma boa possibilidade seria encontrar um exercício que fosse além da estimulação destes campos de energia.

Que tal pensarmos em corpo e mente e buscarmos um trabalho que seja dedicado a este binômio?

Em geral, utilizamos apenas um hemisfério cerebral para coordenar gestos, voz etc. Os exercícios de coordenação buscam a ativação do hemisfério menos ativo para que o ator se conscientize de que suas faculdades estão muito além das que normalmente faz uso.

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Por hoje é isso. E sei, de antemão, que não finalizo nem aponto qualquer saída para esta discussão. Talvez porque gostaria de deixar aberto o debate para refletirmos e voltarmos a este campo em outro momento. Que pode ser inclusive em dezembro, quando a SP Escola de Teatro receberá Barba e Savarese para o lançamento de uma reedição da obra, revisada, atualizada e com nova tradução.

 

* por Ivam Cabral, especial para o portal da SP Escola de Teatro.