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Ponto | Luz natural e teatro: uma relação antiga

Publicado em: 02/09/2014 |

Não existe um conceito largamente aceito para definir, exatamente, o que seria a “luz natural” utilizada no teatro. No artigo “A luz natural e o teatro”, de autoria de Celso Linck, Fernando Azambuja e Valéria Lovato, ex-aprendizes de Iluminação da SP Escola de Teatro, com orientação de Alessandra Domingues, são feitos alguns questionamentos e apontamentos importantes a respeito do assunto.

De acordo com eles, poderia ser chamada assim: “Apenas a luz direta do sol que incide sobre espaços abertos e livre de qualquer manipulação? A luz do sol recortada pela arquitetura ou anteparos? A luz do fogo? A luz modificada em espaços fechados pelo uso de filtros de cor? A luz artificial que permeia a cidade e penetra um espaço fechado?”.

Teatro de Epidauro

Para compreender o contexto histórico da utilização dessa forma de luz, os iluminadores voltaram seus olhares para a Grécia Antiga, onde o teatro passou a ter relação não apenas com a religião, como em civilizações anteriores (egípcios, mesopotâmios), mas também com a pólis – a cidade, a comunidade, o povo.

Por ainda estar vinculada à religião, que era de caráter politeísta, o teatro feito ali explorava as possibilidades das encenações a céu aberto e à luz do dia para travar um contato mais direto com os deuses. O anfiteatro, tendo como exemplo principal o teatro de Epidauro, era a estrutura mais adotada para as apresentações.

A relação espaço/luz, segundo os autores, poderia ter sido pensada pelos gregos de duas maneiras. A primeira, mais aceita atualmente, “considera que os teatros gregos foram construídos de forma ao sol, nascendo no leste e pondo-se a oeste, mantendo-se sempre às costas do público e iluminando a cena”.

Essa ideia de que os gregos teriam estudado a geografia local para tirar maior proveito da luz solar é refutada por outros estudiosos, que acreditam que muitos desses teatros foram edificados com o palco ao sul. Nessa posição, “em épocas específicas do ano, o sol estaria diretamente apontado para o público e não para a cena como esperado”.

Mais tarde, Roma foi altamente influenciada pelo teatro grego. Como no primeiro caso, também “não há documentação que comprove um pensamento na elaboração da luz nos edifícios teatrais romanos”. Com o advento do Cristianismo, as encenações, consideradas pagãs, perderam força. Apenas na Idade Média, com o apoio da própria Igreja, o teatro voltou à cena, como veículo de propagação de conteúdos bíblicos, em apresentações realizadas geralmente nas igrejas, com a luz usual da missa – a luz de velas e do sol que entrava pelas janelas.

Foi na Itália que posteriormente ganhou corpo o chamado teatro humanista, feito por atores amadores. A profissionalização do ofício veio no século XVI, com o surgimento da Commedia Dell’Arte, que vinha da tradição das apresentações em palcos nas ruas e praças.

As companhias de comédia espanholas e as ambulantes, dos períodos Elisabetano e Jacobino, também foram influenciadas pelos trabalhos italianos, levando suas obras a espaços totalmente abertos.

Outra forma de arquitetura teatral foi consolidada com o teatro elisabetano, na Inglaterra. Descrita no artigo como uma “construção muito simples, de madeira ou de pedra, frequentemente circulares e dotados de um amplo pátio interno, fechado ao redor e sem teto”, tal estrutura representou um avanço e relação à Idade Média e permitia uma maior aproximação do ator com a plateia.

“As apresentações precisavam aproveitar a luz do sol, por razões óbvias, assim, costumavam começar por volta das 15 horas e terminar no máximo às 17, só ocorriam durante o verão e também eram suspensas quando havia surto de pestes”, salientam os autores.

Ao investigar o uso atual da luz natural no teatro, os autores relataram dificuldades em encontrar referências, especialmente porque “há uma diferença entre utilizá-la por tratar-se de única opção ou utilizá-la como elemento dramatúrgico na cena”.

Ao procurar por trabalhos que desenvolvessem melhor o conceito e oferecessem uma “forma de pensamento mais elaborado a respeito da relação luz/encenação”, depararam-se com o espetáculo “Hysteria”, do Grupo XIX de Teatro, em que, segundo eles, foi vista “a mais bem resolvida relação da encenação com a luz”.

“Hysteria” (2001), narra a vida a vida de quatro mulheres internadas em um hospício no século XIX. Desenvolvido a partir de 18 meses de ensaios matinais nas dependências da Universidade de São Paulo, o trabalho se apropriou do espaço que o rodeava.

“Considerando a necessidade da vivência do espaço, num tempo concreto e presente, a luz foi sendo incorporada à cena de forma bastante espontânea. A forma como a mesma incidia, suas cores, nuances, tempos, criavam o próprio desvelar daquela arquitetura característica que os interessou”, revelam.

Com as mudanças na luz natural ao longo do dia, diferentes fatores incidiram sobre a obra, tornando a experiência mais rica e orgânica. “Paradoxalmente, apesar de nos remeter, num primeiro momento, a espaços abertos, a utilização de luz natural penetrando por brechas e aberturas acaba por acentuar o caráter fechado de uma sala. Por meio da cartografia de movimentos criada pelas atrizes em cada um dos espaços em que o espetáculo foi encenado, valoriza-se essa condição de trancafiamento. As personagens relacionam-se com a luz como símbolo de uma realidade exterior àquela em que vivem. A disposição seriada das aberturas de luz de alguns dos espaços também foi relevante para o resgate da referência dos sanatórios”, afirmam. Os objetos cênicos também davam sua contribuição, projetando sombras no espaço.

Na pesquisa, os autores também enveredam pelo uso da luz natural nas artes visuais, como o feito por Lucia Koch, tentando compreender a sua utilização para afetar um determinado ambiente.

O artigo está publicado na íntegra nos Cadernos de Luz, espaço criado por Guilherme Bonfanti, coordenador do curso de Iluminação da Escola, aqui no portal. Ali, o internauta pode conferir esse e vários outros pensamentos acerca da iluminação cênica.

Texto: Felipe Del

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